Tratado
Segundo
Das
coisas que são gerais por toda Costa do Brasil
Capítulo
Primeiro
Das
fazendas da terra
Os moradores desta Costa do Brasil todos têm terras de
Sesmarias dadas e repartidas pelos Capitães da terra, e a primeira
coisa que pretendem alcançar são escravos para lhes fazerem e
granjearem suas roças e fazendas, porque sem eles não se podem
sustentar na terra: é uma das coisas porque o Brasil não floresce
muito mais, é pelos escravos que se alevantaram e fugiram para suas
terras e fogem cada dia: e se estes índios não foram tão
fugitivos e mudáveis, não tivera comparação a riqueza do Brasil.
As fazendas donde se consegue mais proveito são açúcar, algodão
e pau do Brasil, com isto fazem pagamento aos mercadores que deste
Reino lhes levam fazenda porque o dinheiro é pouco na terra, e
assim vendem e trocam uma mercadoria por outra em seu justo preço.
Quantos moradores há na terra têm roças de mantimentos e vendem
muitas farinhas de pau uns aos outros, de que também tiram muito
proveito.
O
mais gado que há nesta Costa são bois e vacas, deste há muita
abundância em todas as Capitanias, porque são as ervas muitas, e
sempre a terra está coberta de verdura, ainda que em Porto Seguro não
se querem dar nenhumas vacas senão o primeiro ano, no qual engordam
tanto que do muito viço dizem que morrem todas. Cabras e ovelhas há
muito poucas até agora, começam de multiplicar novamente; as
cabras se dão melhor que as ovelhas e parem dois, três filhos de
cada vez. Fazem os moradores da terra muito por esta criação. Também
há éguas e cavalos, mas ainda são caros por não haver muitos na
terra, levam-nos de Cabo Verde para lá e dão-se muito bem na
terra.
Acha-se também por esta Costa muito âmbar que o mar de si
lança fora as mais das vezes quando faz tormenta e são águas-vivas,
então há muitas pessoas que mandam seus escravos pela praia buscá-lo
nos lugares onde costuma sair mais vezes, e muitas vezes acontece
enriquecerem alguns assim do que acham seus escravos como do que
resgatam aos índios forros. Segundo a dita e ventura de cada um. Os
panos que nesta terra se fazem são de algodão, todo o mais vai
deste Reino.
E
assim há também muitos escravos de Guiné: estes são mais seguros
que os índios da terra porque nunca fogem nem têm para onde. Há
também muita criação de porcos e muitas galinhas, e patos da
terra. Estas são as fazendas que possuem os moradores do Brasil.
Capítulo
Segundo
Dos
costumes da terra
As pessoas que no Brasil querem viver, tanto que se fazem
moradores da terra, por pobres que sejam, se cada um alcançar dois
pares ou meia dúzia de escravos (que podem um por outro custar
pouco mais ou menos até dez cruzados) logo têm remédio para sua
sustentação; porque uns lhe pescam e caçam, outros lhe fazem
mantimentos e fazenda e assim pouco a pouco enriquecem os homens e
vivem honradamente na terra com mais descanso que neste Reino,
porque os mesmos escravos índios da terra buscam de comer para si e
para os senhores, e desta maneira não fazem os homens despesa com
seus escravos em mantimentos nem com suas pessoas.
A maior parte das camas do Brasil são redes, as quais armam
numa casa com duas cordas e lançam-se nelas a dormir. Este costume
tomaram os índios da terra.
Os moradores destas Capitanias tratam-se muito bem e são
mais largos que a gente deste Reino, assim no comer como no vestir
de suas pessoas, e folgam de ajudar uns aos outros com seus escravos
e favorecem muito os pobres que começam a viver na terra. Isto se
costuma nestas partes: e fazem outras muitas obras pias por onde
todos têm remédio de vida e nenhum pobre anda pelas portas a pedir
como neste Reino.
Capítulo
Terceiro
Das
qualidades da terra
Há nestas partes do Brasil seis meses de verão e seis
de inverno: os de verão são de setembro até fevereiro, os de
inverno de março até agosto. Assim que quando nesta província do
Brasil é inverno, cá nestes Reinos é verão, e os dias quase
sempre são tamanhos como as noites, uma hora somente crescem e
minguam. Cursam sempre ventos gerais, no inverno seis meses Sul e
Sueste, no verão Nordeste. Sempre correm as águas com o vento por
costa, e por isso se não pode navegar de umas Capitanias para
outras se não esperarem por monções para irem com as águas e com
o vento, porque cursam como digo seis meses de uma parte e seis de
outra, e portanto são muitas vezes as viagens vagarosas, e quando vão
contra tempo as embarcações correm muito risco, arribam as mais
das vezes ao porto de onde saíram. Mete-se no meio e na força
deste verão, oito dias ante os Santos, uma tormenta de vento Sul
que dura uma semana, este é muito certo e geral, nunca se acha que
naqueles dias faltasse. Muitas embarcações esperam por este vento
e fazem com ele suas viagens. Esta terra sempre é quente quase
tanto no inverno como no verão. A viração do vento geral entra ao
meio-dia pouco mais ou menos, é tão fresco este vento e tão frio
que não se sente mais calma, e ficam recreados os corpos das
pessoas.
Dura este vento do mar até de madrugada, torna dali a calmar
outra vez por causa dos vapores da terra que o apagam e quando
amanhece está o céu todo coberto de nuvens e as mais das manhãs
chove nestas partes e a terra fica toda coberta de névoa, porque
tem muitos arvoredos e chama a si todos estes humores. E tanto que
este geral acalma começa a ventar da terra um vento brando que nela
se gera, até que o Sol com sua quentura o torna apagar e limpa tudo
outra vez e faz ficar o dia claro e sereno, entra logo o vento do
mar acostumado. Este vento da terra é muito perigoso e doentio; e
se acerta de permanecer alguns dias, morre muita gente assim
portugueses como índios da terra: mas quer Nosso Senhor que aconteça
isto poucas vezes; e tirado este mal, é esta terra muito salutífera
e de bons ares, onde as pessoas se acham bem-dispostas e vivem
muitos anos, principalmente os velhos têm melhor disposição e
parecem que tornam a renovar, e por isso alguns se não querem
tornar às suas pátrias, temendo que nelas se lhes ofereça a morte
mais cedo. Os ares de pela manhã são muito frescos e sadios:
muitas pessoas se costumam alevantar cedo porque se aproveitam deles
enquanto têm esta virtude. A terra em si é lassa e desleixada;
acham-se nela os homens algum tanto fracos e minguados das forças
que possuem cá neste Reino por respeito da quentura e dos
mantimentos que nela usam, isto é, enquanto as pessoas são novas
na terra, mas depois que por tempo se acostumam ficam tão rijos e
bem-dispostos como se aquela terra fora
sua mesma pátria. Manda-se dar nesta terra
aos enfermos carne de porco, para qualquer doença é
proveitosa, e não faz mal a nenhuma pessoa; o peixe também tem uma
mesma qualidade e põe muita sustância aos doentes. Esta terra é
muito fértil e viçosa, toda coberta de altíssimos e frondosos
arvoredos, permanece sempre a verdura nela inverno e verão; isto
causa chover-lhe muitas vezes e não haver frio que ofenda ao que
produz a terra. Há por
baixo destes arvoredos grande mato e muito basto e de tal maneira
está escuro e serrado em partes
que nunca participa o chão da quentura nem da claridade do
Sol, e assim está sempre úmido e minando água de si. As águas
que na terra se bebem são muito sadias e sabrosas, por muita que se
beba não prejudica a saúde da pessoa, a mais dela se torna logo a
suar e fica o corpo desalivado e são. Finalmente que esta terra tão
deleitosa e temperada que nunca nela se sente frio nem quentura
sobeja.
Capítulo Quarto
Dos
mantimentos da terra
Nestas partes do Brasil não semeiam trigo nem se dá outro
mantimento algum deste Reino, o que lá se come em lugar de pão é
farinha de pau. Esta se faz da raiz de uma planta que se chama
mandioca, a qual é como inhame. E tanto que se tira debaixo da
terra, está curtindo-se em água três, quatro dias, e depois de
curtida pisam-na ou ralam-na muito bem e espremem-na daquele sumo de
tal maneira que fique bem escorrida, porque é aquela água que sai
dela tão peçonhenta, que qualquer pessoa ou animal que a beber
logo naquele instante morre: assim que depois de a terem deste modo
curada, põem um alguidar grande sobre o fogo e como se aquenta,
botam aquela mandioca nele e por espaço de meia hora está naquela
quentura cozendo-se, dali a tiram, e fica temperada para se comer. Há
todavia farinha de duas maneiras: uma se chama de guerra, e outra
fresca, a de guerra é
muito seca, fazem-na desta maneira para durar muito e não se danar:
a fresca é mais branda e tem mais sustância; finalmente que não
é tão áspera como a outra, mas não dura mais que dois, três
dias: como passa daqui logo se dana. Desta mesma mandioca fazem
outra maneira de mantimentos, que se chamam beijus, são muito alvos
e mais grossos que obréias, destes usam muito os moradores da terra
porque são mais sabrosos e de melhor digestão que a farinha. Outra
raiz de uma planta que se chama aipim, da qual fazem uns bolos que
parecem pão fresco deste Reino e também se como assada come
batata, de toda maneira se acha nela muito gosto. Também há na
terra muito milho zaburro, este se dá em todas as Capitanias, e faz
um pão muito alvo. Há nesta terra muita cópia de leite de vacas,
muito arroz, fava, feijões, muitos inhames e batatas, e outros
legumes que fartam muito a terra. Há muita abundância de marisco e
de peixe por toda esta Costa; com estes mantimentos se sustentam os
moradores do Brasil sem fazerem gastos nem diminuírem nada em suas
fazendas.
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