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Capítulo Quarto

Da Capitania dos Ilhéus

     A Capitania dos Ilhéus está trinta léguas da Bahia de Todos os Santos em quatorze graus e dois terços; é de Francisco Giraldes, na qual tem posto de Capitão de sua mão. Pode haver nela duzentos vizinhos. Tem um rio onde os navios entram, o qual está junto da povoação, divide-se em muitas partes pela terra dentro, servem-se os moradores por ele para suas fazendas em almadias. Há nesta Capitania oito engenhos de açúcar. Dentro da povoação está um mosteiro de padres da Companhia de Jesus que agora se faz novamente.

     Sete léguas da mesma povoação pela terra dentro está uma lagoa de água doce que tem três léguas de comprido e três de largo e tem dez, quinze braças de fundo e daí para cima. Sai dela um rio pequeno pelo qual vão lá ter barcos. Tem esta lagoa um local neste rio, tão estreito, que apenas cabe um barco por ele, e depois que anda dentro quase não sabe determinar por onde entrou. Tem tanta abundância de água que podem andar nela quaisquer naus, por grandes que sejam, à vela; e assim quando venta muito, alevantam-se ali ondas tão furiosas como se fosse no meio do mar com tormenta. Tem muita infinidade de peixes grandes e pequenos. Criam-se nela muitos peixes-bois, os quais têm o focinho como de boi e dois cotos com que nadam à maneira de braços; não têm nenhuma escama nem outra feição de peixe senão o rabo. Matam-os com arpões, são tão gordos e tamanhos que alguns pesam trinta, quarenta arrobas. É um peixe muito sabroso e totalmente parece carne e assim tem o gosto dela; assado parece lombo de porco ou de veado, coze-se com couves, e guisa-se como carne, nem pessoa alguma o come que o tenha por peixe, salvo se o conhecer primeiro. As fêmeas têm duas mamas pelas quais mamam os filhos, e criam-se com leite (coisa que se não acha em outro peixe): também há destes em algumas baías e rios desta Costa e posto que se criem no mar costumam beber água doce, por isso acodem muitos a esta lagoa ou a parte onde algum ribeiro se meta no mar. Também há muitos tubarões nesta lagoa, e lagartos e muitas cobras. E acham-se nela outros monstros marinhos de diversas maneiras. Há muitas terras e muito viçosas arredor dela, e muita caça; e neste rio que sai da lagoa muita fertilidade de peixe. Finalmente que uma das abastadas terras de mantimentos que há no Brasil é esta Capitania dos Ilhéus.

 

Capítulo Quinto

De uma nação de gentio que se acha nesta Capitania

     Pelas terras desta Capitania até junto do Espírito Santo, se acha uma certa nação de gentio que veio do sertão há cinco ou seis anos, e dizem que outros índios contrários destes vieram sobre eles a suas terras, e os destruíram todos e os que fugiram são estes que andam pela Costa. Chamam-se Aymorés, a língua deles é diferente dos outros índios, ninguém os entende, são eles tão altos e tão largos de corpo que quase parecem gigantes; são muito alvos, não têm parecer dos outros índios na terra nem têm casas nem povoações onde morem, vivem entre os matos como brutos animais; são muito forçosos em extremo, trazem uns arcos muito compridos e grossos conforme a sua força e as frechas da mesma maneira. Estes índios têm feito muito dano aos moradores depois que vieram a esta Costa e mortos alguns portugueses e escravos, porque são imigos de toda gente. Não pelejam em campo nem têm ânimo para isso, põem-se entre o mato junto de algum caminho e tanto que passa alguém atiram-lhe ao coração ou a parte onde o matem e não despedem frecha que não na empreguem. Finalmente, que não têm rosto direito a ninguém, senão a traição fazem a sua. As mulheres trazem uns paus tostados com que pelejam. Estes índios não vivem senão pela frecha, seu mantimento é caça, bichos e carne humana, fazem fogo debaixo do chão por não serem sentidos nem saberem onde andam. Muitas terras viçosas estão perdidas junto desta Capitania,  as quais não são possuídas dos portugueses por causa destes índios. Não se pode achar remédio para os destruírem porque não têm morada  certa, nem saem nunca dentre o mato. E assim quando cuidamos que vão fugindo ante quem os persegue, então ficam atrás escondidos e atiram aos que passam descuidados. Desta maneira matam alguma gente. Todos quantos índios há no Brasil são seus imigos e temem-nos muito, por que é gente atraiçoada. E assim onde os há nenhum morador vai a sua fazenda por terra que não leve quinze, vinte escravos consigo de arcos e frechas. Estes Aymorés são muito feros e cruéis, não se pode com palavras encarecer a dureza desta gente.

Não andam todos juntos, derramam-se por muitas partes, e quando se querem ajuntar  assobiam como pássaros ou como bogios,  de maneira que uns aos outros se entendem e se conhecem. Também os portugueses matam alguns deles, e têm muitos destruídos, principalmente nesta Capitania dos Ilhéus, e guardam-se muito deles, porque já sabem suas manhas e conhecem muito bem sua malícia.

 

Capítulo Sexto

Da Capitania de Porto Seguro

     A Capitania de Porto Seguro está trinta léguas dos Ilhéus em dezesseis graus e meio. É do duque de Aveiro, na qual tem posto Capitão de sua mão. Tem três povoações, a principal é Porto Seguro, que está junto do porto onde os navios entram. Outra está daí uma légua que se chama Santo Amaro; outra Santa Cruz, que está daí quatro léguas para o Norte. Pode haver nesta Capitania duzentos e vinte vizinhos. Tem cinco engenhos de açúcar. Há nela um mosteiro de padres da Companhia de Jesus. Também chegam a esta Capitania os Aymorés e fazem nela dano aos moradores como nos Ilhéus. É terra muito abastada de caça, e de peixes que matam no rio que está junto da povoação.

 

Capítulo Sétimo

Da Capitania do Espírito Santo

     A Capitania do Espírito Santo está cinqüenta léguas de Porto Seguro em vinte graus, da qual é Capitão e governador Vasco Fernandes Coutinho. Tem um engenho somente, tira-se dele o melhor açúcar que há em todo o Brasil. Pode ter até cento e oitenta vizinhos.  Há dentro da povoação um mosteiro de padres da Companhia de Jesus. Tem um rio muito grande onde os navios entram, no qual se acham mais peixes-bois que noutro nenhum rio desta Costa. No mar junto desta Capitania matam grande cópia de peixes grandes e de toda maneira, e também no mesmo rio há muita abundância deles. Nesta Capitania há muitas terras e muito largas, onde os moradores vivem muito abastados assim de mantimentos da terra como de fazendas. E quando se tomou a fortaleza do Rio de Janeiro desta mesma Capitania do Espírito Santo sustentaram toda a gente e proveram sempre de mantimentos necessários enquanto estiveram na terra os que defendiam.

Rios

     Avante desta Capitania em altura de vinte e um graus está o rio de Paraíba, este é muito grande e fermoso e tem infinito peixe. Junto do Cabo Frio em altura de vinte e dois graus está a baía Formosa, na qual se pode fazer uma Capitania de muitos vizinhos, onde também se perdem muitas terras por falta de gente. Outros muitos rios há nestas partes que deixo de escrever por serem pequenos e não se fazer tanto caso deles, nem minha tenção foi outra senão tratar destes mais notáveis, onde se podem fazer algumas povoações e conseguir proveito das terras viçosas que por esta Costa estão desertas.

Capítulo Oitavo

Da Capitania do Rio de Janeiro

     A Capitania do Rio de Janeiro, Cidade de São Sebastião, está sessenta léguas do Espírito Santo em vinte e três graus e um terço, terra del-Rei nosso Senhor. Pode ter pouco mais ou menos cento e quarenta vizinhos, agora se começa de povoar novamente. Esta é a mais fértil e viçosa terra que há no Brasil. Tem terras muito singulares e muitas águas para engenhos de açúcar. Há nela muito infinito pau do Brasil, de que os moradores da terra fazem muito proveito.

     Esta Capitania tem um rio muito largo e fermoso; divide-se dentro em muitas partes, e quantas terras estão ao longo dele se podem aproveitar, assim para roças de mantimentos como para cana-de-açúcar e algodão, porque são muito viçosas e melhores de quantas há por toda esta Costa. Há nesta cidade um mosteiro de padres da Companhia de Jesus, os quais também aumentaram muito esta terra e desejam  muito vê-la  povoada de muitos moradores, porque são como digo as terras desta Capitania muito largas, e sabem quão proveitosas são para toda gente pobre que as for possuir. E por tempo hão se de fazer nelas grandes fazendas: e os que lá forem viver com esta esperança não se acharão enganados.

 

Capítulo Nono

Da Capitania de São Vicente

     A Capitania de São Vicente está sessenta léguas do Rio de Janeiro em vinte e quatro graus, é de Pero Lopes de Souza, na qual tem posto Capitão de sua mão: esta e o Rio de Janeiro são as mais frias terras que há no Brasil, geia nelas em tempo de inverno quase como neste Reino.

  Nesta Capitania se deu já trigo, mas não o querem semear por haver na terra outros mantimentos de menos custo. Tem três povoações, e uma fortaleza que está numa ilha junto da terra firme quatro léguas para o Norte que se chama Britioga; daqui defendem esta Capitania dos índios e franceses com artilharia que há na mesma fortaleza. A principal povoação se chama Santos, onde está um mosteiro de padres da Companhia de Jesus. A outra mais avante ao longo do Rio uma légua é São Vicente; também há nela outro mosteiro de padres da Companhia.  Pela terra dentro dez léguas edificaram os mesmos padres uma povoação entre os índios que se chama — o Campo, na qual vivem muitos moradores, a maior parte deles são mamelucos filhos de portugueses e de índias da terra. Aqui e nas mais Capitanias têm feito estes padres da Companhia grande fruito e fazem com que a terra vá em muito crescimento, trabalham  por fazer cristãos a muitos índios e metem muitas pazes entre os homens; também fazem restituir  as liberdades de muitos índios que alguns moradores da terra têm mal resgatados: assim que sempre acodem aos que se desviam do serviço de Deus e de S. A.

Haverá nesta Capitania quinhentos vizinhos, tem quatro engenhos de açúcar, e muitas terras viçosas de que os moradores tiram muitos mantimentos e fazenda e vivem muito abastados. Esta é a última Capitania que há nestas partes do Brasil... 

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