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Documento Completo

Pero de Magalhães Gândavo

 

Tratado da terra do Brasil, no qual se contém a informação das coisas que há nestas partes, feito por Pero de Magalhães.

Ao muito Alto e Sereníssimo Príncipe Dom Henrique, Cardeal, Infante de Portugal.

Posto que os dias passados apresentei outro sumário da terra do Brasil a el-Rei nosso Senhor, foi por cumprir primeiro com esta obrigação de Vassalo que todos devemos a nosso Rei: e por esta razão me pareceu coisa  muito necessária (muito Alto e Sereníssimo Senhor) oferecer também este a V. A. a quem se devem referir os louvores e acrescentamento das terras que nestes Reinos florescem: pois sempre  desejou tanto aumentá-las, e conservar seus Súditos e Vassalos em perpétua paz. Como eu isto entenda, e conheça quão aceitos são os bons serviços a V. A. que ao Reino se fazem, imaginei comigo que podia trazer destas partes com o que desse testemunho de minha pura tenção: e achei que não se podia de um fraco homem esperar maior serviço (ainda que tal não pareça) que lançar mão desta informação da terra do Brasil (coisa que até agora não empreendeu pessoa alguma) para que nestes Reinos se divulgue sua fertilidade e provoque a muitas pessoas pobres que se vão viver nesta província, que nisso consiste a felicidade e aumento dela. E porque V. A. sabe quanto serviço de Deus e del-Rei nosso Senhor seja esta denunciação, determinei coligi-la com deliberação de a oferecer a V. A. a quem humildemente peço a  receba, e com tamanha mercê ficarei satisfeito, rogando a nosso Senhor lhe dê prósperos e larguíssimos anos de vida, e deixe permanecer seu Real estado em perpétua felicidade. Amém.

Pero de Magalhães.  Humilde Vassalo de S. A.

 

Prólogo ao leitor

     Minha tenção não foi outra neste sumário (discreto e curioso leitor) senão denunciar em breves palavras a fertilidade e abundância da terra do Brasil, para que esta fama venha a notícia de muitas pessoas que nestes Reinos vivem com pobreza, e não duvidem escolhê-la para seu remédio; porque a mesma terra  é tão natural e favorável aos estranhos, que a todos agasalha e convida com remédio por pobres e desamparados que sejam. E assim cada vez se vai fazendo mais próspera, e depois que as terras viçosas se forem povoando (que agora estão desertas por falta de gente), hão se de fazer nelas grossas fazendas como já estão feitas nas que possuem os moradores da terra, e também se espera desta província que por tempo floresça tanto na riqueza como as Antilhas de Castela, por que é certo ser em si a terra muito rica e haver nela muitos metais, os quais até agora se não descobrem ou por não haver gente na terra para cometer esta empresa, ou também por negligência dos moradores que se não querem dispor a esse trabalho: qual seja a causa por que o deixam de fazer não sei. Mas permitirá nosso Senhor que ainda em nossos dias se descubram nela grandes tesouros, assim para serviço e aumento de S. A., como para proveito de seus Vassalos que o desejam servir.

Declaração da Costa

     Esta costa do Brasil está para a parte do ocidente, corre-se de Norte e Sul. Da primeira povoação até a derradeira há trezentas e cinqüenta léguas. São oito Capitanias, todas têm portos muito seguros, onde podem entrar quaisquer naus por grandes que sejam.

    Não há pela terra dentro povoações de portugueses por causa dos índios que não o consentem, e também pelo socorro e tratos do Reino lhes é necessário estarem junto ao mar para terem comunicação de mercadorias. E por este respeito vivem todos junto da Costa.

 

Capítulo Primeiro

Da Capitania de Tamaracá

     A povoação da primeira Capitania e mais antiga está numa ilha que se chama Tamaracá, pegada com a terra firme; tem três léguas de comprido e duas de largo. Tem trinta e cinco léguas de terra pela Costa para o Norte É de dona Jerônima de Albuquerque, mulher que foi de Pero Lopes de Souza, na qual tem posto Capitão de sua mão. Há nela um engenho de açúcar e agora se fazem dois novamente e muito pau do Brasil e algodão. Pode ter até cem vizinhos.  Há nesta Capitania muitas e boas terras para se povoarem e fazerem nelas fazendas.

Capítulo Segundo

Da Capitania de Pernambuco

     A Capitania de Pernambuco está a cinco léguas de Tamaracá para o Sul em altura de oito graus, da qual é Capitão e governador Duarte Coelho de Albuquerque. Tem duas povoações. A principal se chama Olinda, a outra Guarassu, que está  quatro léguas pela terra dentro. Haverá nesta Capitania mil vizinhos. Tem vinte e três engenhos  de açúcar, posto que destes três ou quatro não são ainda acabados.

     Alguns moem com bois, a estes chamam trapiche, fazem menos açúcar que os outros: mas a maior parte dos engenhos do Brasil moem com água. Cada engenho destes um por outro, faz três mil arrobas cada ano, nesta Capitania se faz mais açúcar que nas outras, porque houve ano que passaram de cinqüenta mil arrobas, ainda que o rendimento deles não é certo, são segundo as novidades e os tempos que se oferecem. Esta se acha uma das ricas terras do Brasil, tem muitos escravos índios que é a principal fazenda da terra. Daqui os levam e compram para todas as outras Capitanias, porque há nesta muitos, e mais baratos que em toda a Costa: há muito pau do Brasil e algodão de que enriquecem os moradores desta Capitania. O porto onde os navios entram está uma légua da povoação Olinda; servem-se pela praia e também por um rio pequeno que vai dar junto da mesma povoação. A esta Capitania vão cada ano mais navios do Reino que a nenhuma das outras. Há nela um mosteiro de padres da Companhia de Jesus.

Rios

     Há dois rios caudais até a Bahia de Todos os Santos; um se chama de São Francisco, está em dez graus e meio, o qual entra no mar com tanta fúria que vinte léguas pelo mesmo mar correm suas águas.  Outro rio está em onze graus e dois terços que se chama o rio Real, também é muito grande e correm muito suas águas pelo mar.

 

Capítulo Terceiro

Da Capitania da Bahia de Todos os Santos

      A Capitania da Bahia de Todos os Santos está cem léguas de Pernambuco em altura de treze graus. Terra del-Rei nosso Senhor, onde residem os governadores e bispo e Ouvidor-geral de toda a Costa. Esta é a terra mais povoada de portugueses que há no Brasil. Tem três povoações, a principal é a Cidade do Salvador. A outra se chama Vila Velha que está junto da barra. Esta povoação foi a primeira que houve nesta Capitania: depois Tomé de Souza, sendo governador, edificou esta Cidade do Salvador mais adiante meia légua ao longo da Bahia, por ser lugar mais conveniente e proveitoso para os moradores da terra. Quatro léguas pela terra dentro está outra que se chama Paripe. Pode haver nesta Capitania mil e cem vizinhos. Tem dezoito engenhos, alguns se fazem novamente. Também se tira deles muito açúcar, ainda que os moradores se lançam mais ao algodão que à cana-de-açúcar porque se dá melhor na terra.

     Dentro da Cidade está um mosteiro de padres da Companhia de Jesus, na qual têm colégio onde ensinam latim e casos de consciência. Afora este há cinco igrejas pela terra dentro entre os índios forros, onde residem alguns padres para fazerem cristãos e casarem os mesmos índios por não ficarem amancebados.

     Esta Capitania tem uma baía muito grande e fermosa, há três léguas de largo, e navega-se quinze por ela dentro, tem muitas ilhas de terras muito viçosas que dão infinito algodão; divide-se em muitas partes esta baía: e tem muitos braços e enseadas dentro. Os moradores da terra todos se servem por ela com barcos para suas fazendas.

Rios

     Doze léguas desta Bahia de Todos os Santos está um rio que se chama Tinharé, onde se recolhem muitas embarcações que passam para as outras Capitanias. Três léguas por ele dentro está um engenho de um Bastiam de Ponte, junto do qual estão muitas terras perdidas por falta de moradores, das quais se conseguiria  muito proveito se as povoassem. Mais avante seis léguas está um rio que se chama Camamu em treze graus e meio, no qual podem entrar  quaisquer naus seguramente quatro, cinco léguas por ele dentro.

     Ao longo deste rio há terras muito viçosas e muitas águas para se poderem fazer engenhos de açúcar, as quais também se perdem por não haver gente que as vá povoar. Têm dentro algumas  ilhas de terras muito grossas e acomodadas para se fazerem nelas muita fazenda. Nesse mesmo rio há muito peixe em extremo, e junto dele infinita caça de porcos e veados. Aqui se pode fazer uma povoação, onde os homens vivam muito abastados e façam muitas fazendas. Há outro que se chama o rio das Contas, está em quatorze graus e meio, mas não é tão grande, ainda que também entram nele algumas embarcações. Em todos estes rios há muita abundância de peixes e de caça.

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