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Capítulo Oitavo

Dos bichos da terra

   Não me pareceu coisa fora de propósito tratar também neste sumário de alguns bichos que nestas partes se criam, pois tudo há na mesma terra, dado que daqui se não compreenda mais que a diferença e a variedade das criaturas que há de umas terras para outras.

   Há nestas partes muitos bichos muito feros e peçonhentos, principalmente cobras de muitas castas e de nomes diversos. Umas há tão grandes e tão disformes que engolem um veado todo inteiro, e afirmam que tem esta cobra tal qualidade que depois de o ter comido arrebenta pela barriga e apodrece com a cabeça e a ponta do rabo sãs; e tanto que desta maneira fica, torna pouco a pouco a criar carne nova até que se cobre outra vez da mesma carne tão perfeitamente como dantes: isto viram e experimentaram muitos índios e moradores da terra, a estas chamam pela língua dos índios jiboiaçu. Outras há muito maiores e mais peçonhentas, de outra casta diferente, são tão grandes em tanto extremo que apenas dezesseis índios podiam levar uma que mataram junto da Costa entre os portugueses; a esta cobra chamam surucucu. Outra geração há delas que lhe chamam boiteninga, tem na ponta do rabo uma coisa que soa propriamente como cascavel; e por onde esta cobra vai sempre anda rugindo, é uma das feras bichas que há na terra. Outras há na terra que lhe chamam hebijaras, têm duas bocas, uma na cabeça outra no rabo, mordem com ambas: esta cobra é branca e muito curta, o mais do tempo está debaixo da terra, é peçonhetíssima sobre todas; quem desta for mordido não terá vida muitas horas, e assim qualquer destas outras que morder alguma pessoa o mais que dura são vinte e quatro horas. Há outra qualidade delas que não tem dentes nem mordem. Estas não são peçonhentas nem tampouco muito grandes, chamam-lhes japaranas. Também afirmam alguns homens que viram serpentes nesta terra com asas muito grandes e espantosas, mas acham-se raramente.

   Há muitos lagartos e grandes pelos rios de água doce e pelos matos, cujos testículos cheiram melhor que almiscre. E a qualquer roupa que os chegam fica o cheiro pegado por muitos dias.

   Os bichos mais feros e mais danosos que há na terra são tigres, e estes animais são deles tamanhos como bezerros, vão-se aos currais do gado dos moradores e matam muito dele e são tão feros e forçosos que uma mão que lançam a uma vitela ou novilho lhe fazem botar os miolos fora e levam-no arrastado para o mato. Também pela terra dentro matam e comem alguns índios quando se acham famintos. Sobem pelas árvores como gatos, e dali espreitam a caça que por baixo passa e remetem de salto a ela, e desta maneira não lhes escapa nada: alguns destes animais matam em fojos os moradores da terra.

   Toda esta terra do Brasil é coberta de formigas pequenas e grandes, estas fazem algum dano às parreiras dos moradores, e às laranjeiras que têm nos quintais; e se não foram estas formigas houvera porventura muitas vinhas no Brasil ainda que lá são pouco necessárias, porque deste Reino vai tanto vinho que sempre a terra dele está provida.

   Também há muita infinidade de mosquitos, principalmente ao longo de algum rio entre umas árvores que se chamam mangues, não pode nenhuma pessoa esperá-los; e pelo mato quando não há viração são muito sobejos e perseguem muito a gente.

   Também há uma geração de ratos que trazem os filhinhos pendurados na barriga, e ali se criam e andam assim pegados até serem grandes. Bogios há muitos e de muitas castas, como já se sabe. Tanto que as fêmeas parem, pegam-se os filhos nas suas costas e sempre andam cavalgados nas mães até serem bem-criados. E posto que as persigam e as matem não se querem desapegar delas. Há também muitos lobos-marinhos e porcos-marinhos que se criam no mar e na terra. Outros muitos bichos há nestas partes pela terra dentro que será impossível poderem se conhecer nem escrever tanta multidão, porque assim como a terra é grandíssima, assim são muitas as qualidades e feições das criaturas que Deus nela criou.

 

Capítulo Nono

Da terra que certos homens da Capitania de Porto Seguro foram a descobrir, e do que acharam nela

     Posto que minha tenção não era tratar neste sumário senão das coisas que são gerais por toda a Costa do Brasil, de que os moradores da terra participam, pareceu-me também necessário e conveniente aos louvores da terra denunciar neste capítulo a riqueza dos metais que afirmam haver por ela dentro, provado tudo isto com pessoas que o acharam, viram, e experimentaram: e a maneira como se descobriu foi esta que se segue.

    A esta Capitania de Porto Seguro chegaram certos índios do sertão a dar novas de umas pedras verdes que havia numa serra muitas léguas pela terra dentro, e traziam algumas delas por amostra, as quais eram esmeraldas, mas não de muito preço. E os mesmos índios diziam que daquelas havia muitas, e que esta serra era muito fermosa e resplandecente. Tanto que os moradores desta Capitania disto foram certificados, fizeram-se prestes cinqüenta ou sessenta portugueses com alguns índios da terra e partiram pelo sertão dentro com determinação de chegar a esta serra onde estas pedras estavam. Ia por Capitão desta gente um Martim Carvalho, que agora é morador da Bahia de Todos os Santos; entraram pela terra algumas duzentas e vinte léguas, onde as mais das serras que acharam e viram eram de muito fino cristal e toda a terra em si muito fragosa, e outras muitas serras de uma terra azulada, nas quais afirmam haver muito ouro, porque indo eles por entre duas serras, desta maneira foram dar num ribeiro que pelo pé de uma delas descia, no qual acharam entre a areia uns grãos miúdos amarelos, os quais alguns homens apalparam com os dentes e acharam-nos brandos, mas não se desfaziam. Finalmente que todos assentaram ser aquilo ouro, nem podia ser outro metal, pois o mesmo ouro desta maneira nasce nas partes onde o há. Apanharam destes grãos entre a areia do ribeiro quantidade de um punhado, os quais acharam muito pesados, que também era prova de ser ouro: disto não fizeram mais experiência, por ser aquilo no deserto e haver muitos dias que padeciam grande fome nem comiam outra coisa senão semente de ervas, e alguma cobra que matavam: passaram adiante determinando a vinda tornar por ali apercebidos de mantimentos para buscarem a serra mais devagar, donde aquele ouro descia ao ribeiro. Acharam pelos matos muita canafístula, e por este caminho acharam outros muitos metais que não conheceram, nem podiam esperar pelas guerras dos índios que se alevantaram contra eles. Alguns índios lhes deram notícia segundo a menção que faziam que podiam estar cem léguas da serra das pedras verdes que iam buscar, e que não havia muito dali ao Peru, finalmente que com os imigos que recresciam e pela gente que adoecia tornaram-se outra vez em almadias por um rio que se chama Cricaré, onde se perdeu numa cachoeira a canoa em que vinham os grãos do ouro que traziam para mostra. Nesta viagem gastaram oito meses, e assim desbaratados chegaram a esta Capitania de Porto Seguro.

     Os que deste perigo escaparam afirmam haver naquelas partes muito ouro, segundo as mostras e os sinais que acharam. E se lá tornar gente apercebida como convém, com toda a provisão necessária, e levarem pessoas que disto conheçam, dizem que se descobriram nesta terra grandes minas.

      Quisera escrever mais amiudamente das particularidades desta província do Brasil, mas porque satisfizesse a todos com brevidade guardei-me de ser comprido; posto que os louvores da terra pedissem outro livro mais copioso e de maior volume, onde se compreendessem por extenso as excelências e diversidades das coisas que há nela para remédio e proveito dos homens que lá forem viver. E porque a felicidade e aumento desta província consiste em ser povoada de muita gente, não havia de haver pessoa pobre nestes Reinos que não fosse viver a estas partes com favor de S. A., onde os homens vivem todos abastados, e fora das necessidades que cá padecem. E desta maneira permitirá Deus que floresça tanto a terra desta nova Lusitânia, que com ela se aumente muito a Coroa destes Reinos, e seja dos outros invejada para que não desejemos terras estranhas; prometendo esta nossa tanta riqueza, e prosperidade aos que a forem buscar para seu remédio.

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