Senhora
José
de Alencar
Senhora
é um romance passado na primeira metade do século XIX e que expõe
ao leitor, como pano de fundo, valores e costumes da aristocracia
escravista do Segundo Reinado. O romance conta-nos à vida de uma
bela moça desiludida e rancorosa chamada Aurélia Camargo. Aurélia
passou uma infância pobre junto à mãe doente e um irmão que veio
a falecer na adolescência. Narrado em terceira pessoa; o Preço),
narra os episódios atuais, enquanto que a Segunda parte (Quitação),
fala-nos do passado de Aurélia, seguem os capítulos: Posse e
Resgate. Aurélia foi o fruto da união entre o filho de um rico
fazendeiro e uma órfã pobre.
Seu pai, Pedro de Sousa Camargo, era o filho natural de
Lourenço de Sousa Camargo, um homem prepotente e severo que vivia
isolado em suas terras. Lourenço, apesar de não reconhecer o filho
como herdeiro, mantinha-o no Rio de Janeiro com uma boa vida
enquanto estudava Medicina. Foi na corte que Pedro conheceu a mãe
de Aurélia, Emília Lemos, pobre e órfã e por quem apaixonou-se.
Emília
morava com um irmão mais velho, Manuel José Correia Lemos que, tão
logo soube do romance entre a irmã e o estudante, oportunistamente
tratou de exigir do moço um documento que legitimasse sua condição
de herdeiro se quisesse casar com Emília. Diante desta
impossibilidade devido à conflituosa relação que mantinha com o
pai, Pedro decidiu fugir e casar às escondidas com Emília. O velho
Lourenço, sabendo que o filho vivia com uma moça de família
raptada, ordenou-lhe que largasse a Corte e regressasse à fazenda.
Pedro manteve em segredo sua paixão assim como seu casamento, e
teve de viver separado da esposa. Não teve escolha. O pai o
abandonaria sem herança caso soubesse a verdade. Após ter passado
um ano da separação, Pedro consegue ir ao Rio em visita. Lá
retorna sua forte relação com Emília e conhece seu primeiro
filho, Emílio, de dois meses. Mantêm em sigilo seus encontros com
a esposa e o faz intercalando meses passados na fazenda com o pai e
semanas no Rio, com sua família. Nessas circunstâncias nasce Aurélia.
Certo dia, Lourenço comunica ao filho da sua intenção em que se
case com uma moça rica da região. Pedro resolve então partir para
unir-se á sua esposa e filhos. Ao fugir acaba morrendo em um
rancho. O dono do rancho, de posse de uma maleta que Pedro levava
consigo, guarda-a com a intenção de entregá-la a Lourenço. O que
de fato ocorre, porém muitos anos mais tarde. Aurélia vai
crescendo ao desamparo, quase à míngua. A condição humilde em
que vive, e a mãe doente precisando de cuidados não lhe traz
alternativas a não ser expor-se à janela na tentativa de arranjar
um casamento. Imposição da própria mãe. Aurélia, que por sua
estonteante beleza atraía os mais finos moços da Corte, sente-se
humilhada ao submeter-se a galanteios vulgares. Seu próprio tio lhe
faz uma proposta indecorosa para que se torne prostituta
oferecendo-se como seu mediante. Apesar da descida de sua reputação,
é estimada por dois rapazes da sociedade: Eduardo Abreu e Fernando
Seixas. Aurélia e Fernando apaixonam-se; ele pedindo-a em
casamento. Mas a felicidade para Aurélia dura pouco. Apesar da
intensa relação amorosa, Fernando, possuidor de personalidade
interesseira, se vê tentado a casar-se com outra moça, Adelaide,
em que receberia um dote de trinta contos. O pai de Adelaide queria
impedir que a filha se casasse com Dr. Torquato Ribeiro, por quem
nutria profunda antipatia. Fernando desmancha o namoro com Aurélia
para casar-se com Adelaide. Manuel Lemos, tio de Aurélia, fora o
agente catalisador desta trama de interesses; queria a sobrinha
disponível, pois intentava tirar proveito econômico de sua beleza.
A essa altura, Lourenço Camargo recebe do dono do rancho em que o
filho faleceu, a tal maleta que por tantos anos estava guardada.
Abrindo-a, Lourenço encontra uma extensa carta que Pedro lhe
escrevera contando toda a verdade sobre seu amor por Emília e
pedindo-lhe perdão. O pai, após ler a carta e com o coração
enternecido, decide reparar seu erro por ter sido tão rígido com o
filho. Vai ao Rio de Janeiro procurar Aurélia e os netos e a faz
herdeira de sua fortuna. Algum tempo depois morre Emília Lemos. Aurélia,
enquanto aguarda os trâmites da herança que a fará milionária,
recebe o apoio de sua parenta distante, D. Firmina Mascarenhas e do
Dr. Torquato. De posse da fortuna que lhe fora destinada e tendo
como tutor seu tio Lemos, Aurélia incube-o da administração dos
negócios. Sente-se então, a partir daí, livre para seguir seus
caprichos. A primeira parte do livro: O Preço, narra o período
atual em que vive Aurélia, cercada de riquezas. A vida opulenta que
passa a ter leva-a a freqüentar os salões aristocráticos da época.
Nesta parte do livro, há um brilho de linguagem que se assemelha ao
brilho deste novo ambiente, mantido através de gestos calculados,
diálogos estudados e corteses e todo um jogo de interesses, oculto
atrás de aparências. Aurélia, após ter-se estabelecido
confortavelmente em suntuosa mansão, ordena ao tio Lemos que dê
trinta contos ao Dr. Torquato Ribeiro, possibilitando-o de efetuar
seu casamento com Adelaide Amaral. Para Fernando Seixas, pede ao
tio, que ofereça a quantia de cem contos para casar-se com uma moça
desconhecida, rica e jovem. Fernando não aceita a proposta,
sentindo-se ultrajado. Mas no dia seguinte a conversa com Lemos, a mãe
pedira-lhe vinte contos para o enxoval de Nicota, a filha caçula.
Fernando se vê então preso a uma dívida doméstica, pois já
havia usado quase toda a poupança da família com os próprios
gastos. Resolve então aceitar a proposta de Lemos desde que lhe
sejam adiantados vinte contos. Lemos concorda e Fernando entrega o
dinheiro à mãe. Quando Lemos apresenta a noiva a Fernando, este
entra em êxtase por se tratar de Aurélia. Outrora a abandonara,
porém nunca deixou de amá-la. Sente-se um felizardo. Mal sabendo
ele que tudo não passa de um engodo, um plano de Aurélia para
vingar-se do ex-namorado que no passado a abandonou. O iludido
rapaz, sem desconfiar, vai abrindo seu coração à noiva até o dia
em que se casam e então sofre a grande decepção de sua vida.
Fernando apesar de não ser rico, era aceito pela sociedade aristocrática
por sua beleza e suas maneiras elegantes. Escrevia crônicas e era
funcionário público. No Segundo Reinado eram comuns casamentos por
conveniências. Acontecia que, muitas vezes, o amor germinava mesmo
em tais circunstâncias. Fernando segue confiante até a primeira
noite do seu casamento, quando Aurélia o leva a seus aposentos
finalmente decorados e comunica-lhe com frieza que dormirão em
quarto separados, além do que não haverá nenhuma intimidade entre
eles. Aurélia prossegue em seu discurso deixando-lhe bem claro o
papel de marido comprado apenas para manter as aparências na
sociedade. E que a relação entre ambos será de senhora e objeto
possuído. Fernando, nesta noite, não dorme. Não toca em nada do
que lhe é oferecido. Decide continuar trabalhando na repartição
mesmo contra a vontade de Aurélia. Guarda os oitenta contos. Na
terceira parte do livro: Posse, a narrativa transcorre em torno do
conflito entre Fernando Seixas e Aurélia Camargo. Desenvolve-se
entre o casal um ódio mórbido recíproco, enquanto tentam manter
uma falsa felicidade. Certa ocasião Aurélia contrata um artista
para pintar o retrato do marido. Desejava colocá-lo ao lado do seu
na parede da sala. A obra não a agradou, pois as feições de
Fernando denotavam abatimento. Ordenou ao artista que suspendesse o
trabalho. A contragosto do artista, que alega ter pintado a alma do
modelo, o quadro é interrompido. A partir daí Aurélia empenha-se
em amenizar a relação com Fernando porque o quer com o semblante
tranqüilo. Fernando, mais uma vez iludido com as seduções da
mulher, perde a dureza da expressão. Aurélia pede ao pintor que
retorne a obra. Este, por sua vez, capta as novas feições
suavizadas de Fernando e ainda, sob a orientação de Aurélia,
pinta-o com as roupas que usava quando conheceram-se em Santa
Tereza.
O
trabalho concluído é colocado na parede do seu quarto enquanto o
outro retrato em que o marido aparece com a expressão dura, é
exposto na sala de visitas. Certo dia, Aurélia leva Fernando ao seu
quarto e mostra-lhe o quadro, dizendo-lhe que ali estava o homem que
ela ainda amava. O artista conseguira captar a alma deste homem.
Continua a lhe falar que quando ele voltasse a ter essa pureza,
tornaria a amá-lo. Tem um orgasmo involuntário diante da obra
deixando Fernando perplexo. "Seixas estava atônito.
Sentindo-se ludíbrio dessa mulher, que o subjugava a seu pesar,
escutava-lhe as palavras, observava-lhe os movimentos e não a
compreendia. Chamava a si a razão, e esta fugia-lhe, deixando-o estático”.Nos
tempos de Santa Tereza, Eduardo apaixonara-se perdidamente por Aurélia.
Rumou para a Europa na tentativa de esquecê-la. Depois de casada,
Aurélia, sabendo que o rapaz havia caído em miséria e estava
preste a cometer suicídio, intercedeu e passou a ajudá-lo desde
então com dinheiro e atenção.
Um
dia, ao chegar em casa, Fernando surpreendeu-os conversando.
Enciumou-se. Aurélia, por sua vez, cismava que ainda existia algo
entre o marido e Adelaide, pois encontrara um antigo presente da moça
junto às coisas de Fernando.
As
brigas em torno dessas desconfianças chegam a um alto grau de
ofensas mútuas quando Fernando comunica que quer formalizar a
separação. Aurélia tenta justificar-se, mas Fernando é inflexível,
quer restituir-lhe o dinheiro do contrato imediatamente. Fernando
fizera economias com o salário da repartição e ainda conseguira
ganhar mais quinze contos de um antigo negócio que só agora lhe
rendera lucro. Devolve à Aurélia o que lhe pertence, os cem
contos, e reconquista sua liberdade de ser. Pronto para deixá-lo,
Aurélia detém-se para dizer-lhe que após terem se tornado, ambos,
estranhos um ao outro, ter-lhe submetido às suas ofensas e
humilhando-o durante onze anos, ainda assim seu amor continua
intacto. Ajoelha-se a seus pés e suplica-lhe que aceite seu amor.
"-Aquela mulher que se humilhou, aqui a tens abatida, no mesmo
lugar ode ultrajou-te, nas iras de sua paixão. Aqui a tens
implorando teu perdão e feliz porque te adora, como o senhor de sua
alma”.Fernando ergue-a em seus braços e beija-a com paixão. Mas,
possuído por um pensamento desesperançoso, afasta seu rosto do
dela, olha-a com profundo pesar e diz: "- Não Aurélia! Tua
riqueza separou-nos para sempre".Aurélia, então solta-se do
marido, vai até o toucador e volta com um envelope contendo seu
testamento. "Ela despedaçou o lacre e deu a ler a Seixas o
papel. Era efetivamente um testamento em que ela confessava o imenso
amor que tinha ao marido e o instituía seu universal herdeiro. - Eu
o escrevi logo depois do nosso casamento; pensei que morresse
naquela noite, disse Aurélia com gesto sublime. Seixas
contemplava-a com os olhos rasos de lágrimas. - Esta riqueza
causa-te horror? Pois faz-me viver, meu Fernando. É o meio de a
repelires. Se não for o bastante eu a dissiparei”. |