São
Bernardo
Graciliano
Ramos
Paulo
Honório, fazendeiro embrutecido, viúvo e solitário, aos cinqüenta
anos decide escrever um livro para rever e entender sua vida.
Inicialmente, imagina elaborar o livro com a colaboração de padre
Silvestre, do advogado João Nogueira e de Azevedo Gondim, um
jornalista, que seria responsável por reescrever em linguagem literária
o relato. A escritura a tantas mãos é frustrada. Paulo Honório,
então, desfaz o compromisso. Passa a construir a narrativa,
solitariamente, e, durante quatro meses, sentado à mesa da sala de
jantar, fumando cachimbo e bebendo café, recupera lembranças, como
se sentisse obrigado a escrever e, emocionadamente, expõe e
analisa a própria vida.
A
narrativa de Paulo Honório
Paulo
Honório foi um menino órfão, criado por uma negra doceira _ . Na
infância, para sobreviver, guiava um cego e vendia cocadas. Mais
tarde, passou a trabalhar na roça. Até dezoito anos trabalhou duro
no sertão. Nessa época, já se mostrava um homem rude, hostil,
quando, por desejo de lavar a honra, esfaqueia João Fagundes,
matuto que se envolve com Germana, uma mulher que o iniciara
sexualmente _ . É preso por três anos, nove meses e quinze dias.
Durante a prisão, aprende a ler com o sapateiro Joaquim, esquece
Germana e pensa apenas em juntar dinheiro, assim que ganhasse
liberdade.
Sai
da cadeia, empresta a juro, do agiota Pereira, cem mil-réis e passa
a negociar redes, gado, e todo o tipo de miudeza pelo sertão.
Enfrenta hostilidades, injustiças, sede, fome. Resolve
impasses comerciais com ameaças e armas na mão, até que, com
certas economias, retorna, em companhia de Casimiro Lopes, para sua
terra, Viçosa, com o desejo inabalável de adquirir São Bernardo,
a fazenda onde fora trabalhador alugado.
Para
realizar seu intento, Paulo Honório inicia um jogo de intenções
veladas e uma amizade falsa com Luís Padilha, herdeiro de São
Bernardo, moço apaixonado por jogo, mulheres e bebida. Aos poucos,
Paulo Honório ganha a confiança de Luís Padilha, filho de seu
antigo patrão. Passa a incentivar e financiar projetos errados e
ingênuos do inexperiente Padilha, com a intenção calculada de
promover a ruína econômica e financeira do dono de São Bernardo _
. Com promissórias vencidas e pressionado violentamente por Paulo
Honório, Luís Padilha se vê forçado a entregar a fazenda por um
valor insignificante _ .
Proprietário
da fazenda, Paulo Honório canaliza todo o seu espírito
empreendedor e transforma as terras abandonadas de São Bernardo.
Com a ajuda de Casimiro Lopes, manda matar Mendonça, fazendeiro
vizinho, estendendo, assim, os limites das próprias
terras. Consegue empréstimos em bancos, investe em máquinas, na
plantação de algodão e mamona e desenvolve a fruticultura. Constrói
estradas para escoar os produtos, impõe-se um ritmo exaustivo de
trabalho, torna-se cada vez mais bruto, violento, comete injustiças,
mete-se em negociatas. Estabelece uma rede de relacionamentos
úteis que lhe garantem impunidade: conta com o apoio de Gondim,
jornalista adulador, conquista Padre Silvestre e o advogado
Nogueira, que o auxilia em trapaças e manipula, de acordo com os
seus interesses, os políticos do local.
São
Bernardo prospera e Paulo Honório contrata Sr. Ribeiro para
escrituração dos livros de contabilidade; constrói uma escola
para alfabetizar os empregados e, principalmente, para agradar ao
governador de Alagoas. Contrata Padilha como professor, manda
buscar a velha Margarida, a negra doceira que o criara, e lhe
arranja moradia na fazenda _ .
Certa
manhã, vivendo a satisfação da prosperidade, Paulo Honório
decide casar-se, não porque estivesse enamorado por alguma
mulher; a idéia de casamento lhe vem, quando percebe
que necessitaria de um herdeiro para suas ricas terras. Começa, então,
a elaborar mentalmente a mulher que procurava; chegou a avaliar a
adequação das filhas e irmãs dos amigos. Nenhuma lhe agradava, até
que conhece, na casa do juiz Magalhães, Madalena, uma professora
primária. Impressionado com a moça, decide casar-se. Com a mesma
energia, praticidade e determinação com que gerencia sua
propriedade, toma informações sobre a vida de Madalena e, como em
uma negociação, convence-a a casar-se com ele _ .
Madalena
e sua tia Glória chegam à fazenda e, oito dias após o casamento,
Paulo Honório se dá conta de que a rotina começa a ser alterada.
Madalena, com sua delicadeza e humanidade, acode as necessidades de
mestre Caetano, interessa-se pela vida dos empregados, dá opiniões
sobre o trabalho precário do professor Luís Padilha, exige a
compra de variados materiais pedagógicos e passa a dividir as
tarefas de escrituração com Seu Ribeiro. Esse comportamento de
Madalena, aos poucos, vai incomodando profundamente Paulo Honório,
que a imaginava uma frágil normalista. Iniciam-se as brigas entre o
casal: evidencia-se a personalidade violenta de Paulo Honório.
Desorientado
por não dominar a mulher como controlava todas as pessoas à sua
volta, Paulo Honório revela um ciúme excessivo; torna-se cada vez
mais agressivo e expande os maus tratos a todos, que de algum modo,
convivem com a mulher _ . O nascimento do filho não lhe ameniza as
desconfianças; é torturado por fantasias de infidelidade, julga-se
traído por Madalena.
Certa
noite, durante a visita de Dr. Magalhães, Paulo Honório percebe
que o juiz e Madalena conversam animadamente. Este fato lhe
acrescenta mais dúvidas sobre a infidelidade da mulher. Durante a
madrugada, atormenta-se por imaginar o prazer que um
intelectual, como Dr. Magalhães, poderia despertar em Madalena.
Compara-se ao juiz, sente-se bruto, inculto, convence-se de que a
traição de Madalena era inevitável. Acusa-a grosseiramente de
envolver-se com outros homens, numa cena de extraordinário ciúme _
.
No
dia seguinte, encontra Madalena muito abatida, escrevendo uma carta.
Aproxima-se da mulher e lê o endereço de Azevedo Gondim.
Novamente, descontrola-se e exige que Madalena lhe entregue a carta.
Discutem violentamente, Madalena rasga os papéis e acusa-o de
assassino _ . Mais tarde, Paulo Honório acalma-se e percebe a
brutalidade cometida; na verdade, sabia que Madalena era honesta.
No entanto, não se esquecia do insulto. Acredita que Padilha teria
revelado a verdade sobre o assassinato de Mendonça. Procura-o com a
intenção de expulsá-lo da fazenda, quando o empregado lhe garante
fidelidade e obediência, afirmando que Madalena soubera do
fato por meio da população que contava várias histórias sobre a
vida do marido.
As
dúvidas sobre a infidelidade da mulher tornavam-se intoleráveis.
Durante a noite, Paulo Honório passa a ter delírios: ouve
passos, ruídos, convence-se da presença de amantes da mulher,
enquanto esta encolhia-se na cama, não suportando tantas agressões
e desconfianças. Agrava-se o sofrimento e a solidão de Madalena,
que já não resiste aos ciúmes brutais e à tirania do marido.
Sente-se degradada em sua dignidade, humilhada, mostra-se,
inclusive, desinteressada pelo próprio filho _ .
Uma
tarde, na torre da igreja, vendo Marciano procurar corujas, Paulo
Honório avalia, do alto, a paisagem da fazenda. Detém o olhar nas
extensas plantações, contempla com orgulho a propriedade, quando
observa Madalena escrevendo. Desce da torre, confere o trabalho dos
empregados, e, defronte do escritório, encontra no chão a folha de
uma carta. É, então, tomado por intenso ódio e desconfiança. Lê
e relê o fragmento de um texto e fica furioso por ter certeza de
que se tratava de uma correspondência destinada a um homem.
Decidido
acabar com aquele tormento, sai à procura de Madalena. Encontra-a
serena, na saída da igreja. Exige explicações, exaspera-se, quer
saber para quem a mulher escrevia. Madalena, de maneira meio
estranha e desanimada, lhe diz que as outras folhas que compunham a
carta estavam sobre a bancada do escritório. Em seguida, pede-lhe
perdão pelos aborrecimentos e afirma que os ciúmes do marido
estragaram a vida dos dois. Sugere-lhe que seja amigo de tia Glória
e sai da igreja. Paulo Honório passa a noite meio entorpecido no
banco da sacristia.
Na
manhã seguinte, quando chega a casa, ouve gritos horríveis.
Madalena suicidara-se. Havia manchas de líquidos e cacos de vidro
no chão. Sobre a bancada, havia um envelope com uma carta de
despedida para Paulo Honório. Faltava uma página, exatamente
aquela que ele havia encontrado, no dia anterior _ .
Após
a morte de Madalena, D. Glória e Sr. Ribeiro deixam São Bernardo.
Tem início a Revolução de 30, Padilha junta-se aos revolucionários;
Paulo Honório passa a ter dificuldades nos negócios. Os limites da
fazenda estão sendo discutidos judicialmente o Dr. Magalhães é
afastado do cargo. Paulo Honório está abandonado.
Assim,
em meio à profunda solidão, ouvindo insistentes pios de coruja,
tendo Casimiro Lopes e o cachorro Tubarão por perto, Paulo Honório
compõe a sua narrativa. Sentado à mesa da sala, fumando cachimbo e
bebendo café, restaura o passado e percebe nitidamente a própria
brutalidade; o processo de desumanização por que passou,
enfrentando a vida rude no sertão. Tem consciência de que sua
vida, orientada para os interesses externos, não somente o tornou
egoísta e cruel, como também destruiu estupidamente as
pessoas de suas relações. Incapaz de transformar-se, Paulo Honório
busca algum sentido, algum equilíbrio para sua vida, refletindo
sobre recordações e escrevendo a sua narrativa. |