O
noviço
Luís
Carlos Martins Pena
O
noviço traz basicamente a história de Carlos, rapaz
endiabrado, que é enviado a um convento por decisão de sua tia e
tutora. Não tendo vocação para a vida religiosa, Carlos foge do
convento e dedica-se a desmascarar o ambicioso Ambrósio, segundo
marido de sua tia. A seguir organiza-se a seqüência de ações
que desenvolvem a essência dessa narrativa.
A
peça inicia-se com Ambrósio Nunes em uma sala ricamente
decorada _ _ . Preparando-se para ir à igreja com sua
mulher Florência, o personagem afirma em tom cínico
que mudara sua vida de homem pobre em oito anos. Fora
miserável, mas valendo-se de determinação, perspicácia e destituído
de qualquer escrúpulo tornara-se rico, condição que lhe conferia
poder e lhe garantia plena impunidade _ . É
interrompido por Florência que lhe apressa, dizendo que é necessário
chegar cedo para sentarem-se nos primeiros bancos e, assim, poderem
assistir confortavelmente à missa de Ramos. Ambrósio, com
delicadeza de fala e gestos, pergunta à esposa como anda o projeto
de encaminhar a enteada Emília para o convento e satisfaz-se com a
notícia de que tudo corre como ele desejaria _ . Com muita
habilidade, Ambrósio enfatiza a idéia de que a herança
deixada pelo primeiro marido de Florência nunca o atraiu, revela
que sua paixão sempre foi espontânea e pura e, de certo
modo, lhe é até um tanto penoso administrar a fortuna do
nobre falecido, no entanto, cabe ao marido zelar pela esposa amada.
Desse modo, toma para si à incumbência de cuidar do dinheiro.
Florência
cede às propostas aparentemente sinceras do marido e concorda
em encaminhar não somente a filha para o claustro, mas também
incentivar seu filho Juca de nove anos para ser frade, acreditando
que dessa maneira estaria proporcionando aos dois uma vida virtuosa
e verdadeiramente feliz. Ambrósio, com a intenção deliberada de
controlar toda a situação familiar, mostra-se preocupado com a
possibilidade de Carlos, sobrinho tutelado de Florência, vir a se
revoltar contra o noviciado que lhe fora imposto há
seis meses e causar aborrecimentos ao casal _ . Encerra-se a
conversa. Ambrósio retira-se para acabar de vestir-se. Florência
está a agradecer a Deus o marido que tem, quando Emília entra na
sala. A mãe aproveita o momento para expor à filha as vantagens
que a vida de freira proporciona, Emília chora e, contrariada,
declara não ter inclinação para o claustro. A mãe, insensível
à dor da filha, abandona a sala e sobe ao sótão para
aprontar-se para a missa.
Inesperadamente,
Carlos, vestido de frade, entra afobado e conta à Emília que havia
fugido do convento, após discussão que acabara com uma barrigada
no Abade Mestre. Irado, manifesta o desejo de ser militar, de
envolver-se em lutas com espadas e não se submeter a jejuns
prolongados e a coros e rezas infindáveis. A moça, comovida, ouve
o relato dos martírios sofridos pelo noviço rebelde e lhe
conta que também ela deverá entrar para um convento. Carlos
revolta-se, declara o seu amor pela prima, acusa severamente Ambrósio
de estar conspirando contra todos. Promete que não descansará
enquanto não vingar-se do velhaco Ambrósio _ . Em meio à
conversa, o garoto Juca, desajeitado em um hábito de frade,
corre para o colo de Carlos, que percebe claramente o plano do
marido da tia: filhos e enteados dedicados à vida religiosa seriam
obrigados a fazer votos de pobreza, o que garantiria a posse de
todos os bens por parte de Ambrósio. Emília e Juquinha saem da
sala _ .
Batem
à porta. Rosa entra na sala e com muita reverência dirige-se
a Carlos, imaginando ser ele um frade. Conta-lhe que está à
procura de seu marido Ambrósio Nunes, que há seis anos a
abandonara em Maranguape, de posse de sua fortuna, a pretexto de
investimentos lucrativos em Montevidéu. Sem notícias, ela chegou a
pensar que ele tivesse morrido, mas uma pessoa informara-lhe de que
estava o fujão na corte, e estava ela ali, no momento, após longa
viagem e andanças pelo Rio de Janeiro. Carlos, aproveita-se do
engano da mulher e, fingindo ser bom capuchinho, investiga detalhes
da história e recebe, como prova da veracidade dos fatos relatados,
uma cópia da certidão de casamento de Rosa e Ambrósio. Promete
ajudá-la e pede-lhe que aguarde alguns momentos em um quarto da
casa. Florência, o marido e a filha, prontos para saírem,
deparam-se com Carlos. Ambrósio cobra de Carlos obediência. O moço
ironicamente desafia o marido da tia por meio de frases ambíguas,
dando a entender que conhecia a história pregressa de Ambrósio.
Este se enfurece e passa a fazer-lhe exigências. Carlos o toma
pelo braço, abre a porta do quarto e mostra-lhe Rosa. O tio
desorganiza-se, corre e arrasta violentamente para fora da casa
mulher e enteada _ _ .
Carlos diverte-se com a aflição do cínico tio e expõe à Rosa a
atual condição de Ambrósio. A mulher traída não resiste.
Desmaia. Cria-se um alvoroço. Juquinha é chamado a ajudar; apanha
um galheteiro, Carlos a faz cheirar vinagre, azeite, tentado-lhe
restituir os sentidos. Em meio à intensa agitação, ouvem-se
meirinhos aproximarem-se. Dirigem-se eles a casa para
efetuarem a prisão do travesso noviço. Carlos faz a mulher
acreditar que Ambrósio é poderoso e que os oficiais batiam à
porta para prendê-la. Propõe a ela que trocassem
vestimentas. Rosa vestiria seu hábito de religioso, e ele,
suas vestes de mulher. Desse modo, estaria ela a salvo da fúria dos
meirinhos e ele seria preso em seu lugar. Rosa ingenuamente aceita a
proposta. Juca a encaminha para um quarto. Carlos, travestido
de mulher, recebe dissimuladamente o Mestre de Noviços e os
meirinhos. Faz-se passar por tia do noviço endiabrado, aponta o
esconderijo e orienta a maneira segura de surpreender e prender o
sobrinho. Os oficiais entram no quarto, capturam o falso noviço e o
levam para o convento _ .
Carlos
diverte-se imaginando a confusão que aconteceria quando o
Abade percebesse que uma mulher fora presa em seu lugar. Pede a Juca
que ficasse à janela e o avisasse da chegada do
padrasto.
Ambrósio,
perturbado, invade a sala. Havia deixado Florência e Emília na
igreja. A sua agitação é tamanha que se dirige a Carlos,
pensando ser ele Rosa. O sobrinho aproveita-se do engano e
diverte-se, respondendo às perguntas de Ambrósio como sendo sua
primeira esposa. Chega inclusive a atirar-se aos pés de Ambrósio
em pranto exagerado. Nesse instante, o tratante Ambrósio percebe o
equívoco. Irrita-se com o descaramento do sobrinho, que
imediatamente lhe contém a fúria, mostrando a certidão que estava
em seu poder. O tom da cena inverte-se: Ambrósio humilha-se,
implora a Carlos que nada revele à Florência. Dono da situação,
o rapaz faz exigências: abandonará o noviciado,
receberá a herança deixada pelo pai; Emília não será freira, e
ele terá o consentimento para casar-se com a prima. Ambrósio,
de joelhos, aceita as imposições e suplica piedade de Carlos.
Subitamente,
Florência e Emília entram na sala e há novo equívoco: Florência
acredita ter flagrado o marido em traição. Sente-se desgraçada
e num assombro se dá conta de que é o sobrinho que subjuga Ambrósio
_ . Pede explicações para aquela patifaria e, cinicamente,
Carlos afirma que estavam encenando uma comédia para o sábado de
Aleluia. A tia, atônita, ouve ainda o rapaz trapalhão declarar o
acordo que fizera com Ambrósio. Este vai interrompendo a fala de
Carlos com argumentos incontestáveis. Diz à mulher que fora um
erro encaminhá-lo ao convento, pois não se pode impedir que os
jovens possam realizar o amor tão genuíno que sentem. Carlos
acrescenta que como prova de agradecimento cederá metade de seus
bens em favor do tio bondoso e lhe entrega a certidão de casamento
como se entregasse o termo de cessão de parte da fortuna. Ambrósio
rasga o papel, dissimulando total desinteresse pela doação. Florência
sente-se abençoada por ter casado com um homem tão honrado e chega
a vangloriar-se da própria capacidade de distinguir o amante
sincero entre tantos pretendentes que tivera logo após a viuvez.
Elogia as qualidades do marido, que insiste não ser merecedor de
tanta reverência _ .
Felizes,
Emília e Carlos acertam o casamento para dali a quinze dias. Nem
bem confirmam o enlace matrimonial, o Mestre dos Noviços surge para
efetuar a prisão do noviço fujão. O religioso declara
enraivecido o constrangimento que passara diante do Abade ao cair
novamente em uma cilada de Carlos, quando levou ao convento uma
mulher. Diante das declarações do Mestre, Ambrósio
perturba-se e tenta saber do paradeiro da tal mulher. Florência
desconfia das intenções do marido. A confusão está armada: o
Mestre arrasta o noviço para fora da casa; a tia não consegue
impedir a prisão do sobrinho, mesmo dizendo que Carlos abandonaria
a vida religiosa e que ela mesma diria isso ao Abade.
O
clima na casa é de confusão. Ambrósio mostra-se atordoado, Florência
pede explicações para ter sido levada apressadamente para a igreja
e ter sido lá deixada. Ambrósio rapidamente dissimula a própria
aflição. Tenta abraçar a esposa que se revela arredia, exigindo
que se esclareça a identidade da mulher que fora presa em lugar do
sobrinho. Acuado, Ambrósio inventa ser a tal mulher uma
antiga namorada, que não se conformara com o fato de ter ele se
casado _ . Confessa o erro cometido ao envolver-se na
juventude com aquela moça. Diz-lhe, no entanto, que a causa da
separação fora o amor incontido que sentiu desde o primeiro
momento que viu Florência. O discurso amoroso de Ambrósio é
interrompido por Rosa, vestida de frade. Esta, entregando a certidão
a Ambrósio, interpõe-se ao casal, gritando que aquele homem lhe
pertencia. Ambrósio corre pela casa, tentando escapar. Nesse
momento, ouve-se a ordem de prisão ao bígamo. Enquanto isso se
passa, Florência, estarrecida, lê a certidão de casamento
de Rosa Lemos e Ambrósio Nunes.
Muda-se
o cenário. Florência, recolhida no quarto de Carlos, para evitar
contato com o ambiente em que vivera momentos felizes ao lado do
marido farsante, chora convulsivamente e é confortada pela filha.
Está assim prostrada há oito dias _ . Nada a anima, nem mesmo os
remédios receitados por um médico da família. Emília afirma ser
necessário que a mãe reaja e, desse modo, vingue-se de tanta traição.
Florência diz que seu procurador está encaminhando um mandado de
prisão e que quer enviar uma carta ao Abade, explicando-lhe os
fatos e pedindo-lhe o favor de mandar um representante do convento
para que ela se justificasse pessoalmente pelos transtornos
causados. Decide, então, que o criado José fosse o portador da
carta.
Nova
surpresa: Carlos mais uma vez havia fugido do claustro.
Apressado, invade os fundos da casa, com o hábito roto e sujo, as mãos
esfoladas, joelhos machucados. Entra em seu antigo quarto. Ouve a
voz do padre-mestre, esconde-se embaixo da cama em que está deitada
a tia. Emília acompanha o padre até os aposentos onde está
Florência, que acorda meio atordoada. Estava ele incumbido
novamente de efetuar a prisão do noviço indomável. Florência e
Emília surpreendem-se com a notícia de que Carlos tivesse escapado
novamente das grades do convento. Enquanto Florência expõe a
sua decisão de livrar Carlos do noviciado, Emília percebe a presença
do amado embaixo da cama. O padre-mestre retira-se da casa, aliviado
por não ter mais que se haver com as diabruras de Carlos.
Florência
lamenta-se da tragédia que lhe acometera. Emília se mostra
comovida e comporta-se como se não soubesse o paradeiro do primo,
mesmo este lhe puxando as saias e fazendo-lhes cócegas nas pernas.
Chega a casa Ambrósio, trajando-se como um frade, seguindo o criado
José até o quarto de Florência. Há novo equívoco. Florência
imagina ser o frade o representante que requisitara ao Abade e passa
a lhe contar a trama de que fora vítima. Ambrósio, não
suportando ouvir tantas acusações, denuncia-se, retirando o capuz,
revelando, assim, a sua real identidade. Revela à mulher que as
portas da casa estão trancadas e que ninguém poderá lhe socorrer
os gritos. Impõe que lhe entregue dinheiro e jóias, enfim, tudo
que ela possuísse; caso contrário, só restaria a alternativa de
matá-la. Nesse momento, se esclarece mais um mal-entendido:
José, fiel a Ambrósio, não tinha enviado a carta ao Abade, na
verdade, tinha facilitado os planos de seu patrão.
Florência
corre aos gritos pela casa, esconde-se em um canto coberta por uma
colcha. Ambrósio, na correria, encontra Carlos, puxa-lhe pelo hábito,
pensando tratar-se das saias de Florência. Carlos revida com uma
bofetada. A tia permanece imóvel, coberta por uma colcha. Em
seguida, entram quatro homens armados e o vizinho Jorge que vinha em
socorro aos gritos que da rua se ouviam. Florência diz que um
ladrão travestido de frade tinha invadido a casa, mas já havia
fugido. Os homens vasculham a casa e acabam dando com Carlos, que
aos berros, sai debaixo da cama, e, tentando proteger-se das
agressões, mete-se atrás de um armário e o atira ao chão. O
vizinho, ferido na perna, grita à Florência que o ladrão se
escondia no quarto e havia escapulido por uma porta. Emília
desvencilha-se do vizinho, agradece a ajuda e mando-o embora.
Insiste com a mãe que o frade era Carlos. A mãe retruca, afirmando
que era o padrasto.
A
tensão aumenta com a chegada de Rosa, que é recebida com certa
amabilidade por Florência. As duas conversam a sós. Lamentam-se da
inocência com que se entregaram ao vilão Ambrósio. Rosa apresenta
à Florência a ordem de prisão contra o bígamo e queixa-se ao
saber que Ambrósio há instantes escapara daquela casa. De
modo inesperado, arrebenta-se uma tábua do armário e Ambrósio,
quase asfixiado, põe a cabeça de fora. Ambas mulheres atacam-no
aos socos e pauladas. O farsante, aos gritos, suplica compaixão às
duas esposas.
Entra
no quarto Carlos, preso por Jorge e os soldados. Florência
desfaz o engano, dizendo que era seu sobrinho o que tomavam por ladrão.
Ambrósio esconde-se novamente no armário. Rosa, acompanhada de
oficiais de justiça, entrega o mandado lavrado de prisão. O bígamo
é retirado do armário e recebe a sentença de prisão. O Mestre de
Noviços retorna a casa com a permissão de livrar Carlos do
convento. Antes de retirar-se, o religioso abençoa a futura
união de Emília e Carlos. Ambrósio sai lamentando-se da punição
recebida. |