O
Guarani
José
de Alencar
Na
primeira metade do século XVII, Portugal ainda dependia
politicamente da Espanha, fato que, se por um lado exasperava os
sentimentos patrióticos de um frei Antão, como mostrou Gonçalves
Dias, por outro lado a ele se acomodavam os conservadoristas e os
portugueses de pouco brio.
D.
Antônio de Mariz, fidalgo dos mais insignes da nobreza de Portugal,
leva adiante no Brasil uma colonização dentro do mais rigoroso espírito
de obediência à sua pátria. Representa, com sua casa-forte,
elevada na Serra dos Órgãos, um baluarte na Colônia, a desafiar o
poderio espanhol.
Sua
casa-forte, às margens do Pequequer, afluente do Paraíba, é
abrigo de ilustres portugueses, afinados no mesmo espírito patriótico
e colonizador, mas acolhe inicialmente, com ingênua cordialidade,
bandos de mercenários, homens sedentos de ouro e prata, como o
aventureiro Loredano, ex-padre que assassinara um homem desarmado, a
troco do mapa das famosas minas de prata.
Dentro
da respeitável casa de D. Antônio de Mariz, Loredano vai
pacientemente urdindo seu plano de destruição de toda a família e
dos agregados. Em seus planos, contudo, está o rapto da bela Cecília,
filha de D. Antônio, mas que é constantemente vigiada por um índio
forte e corajoso, Peri, que em recompensa por tê-la salvo certa vez
de uma avalancha de pedras, recebeu a mais alta gratidão de D. Antônio
e mesmo o afeto espontâneo da moça, que o trata como a um irmão.
A
narrativa inicia seus momentos épicos logo após o incidente em que
Diogo, filho de D. Antônio, inadvertidamente, mata uma indiazinha
aimoré, durante uma caçada. Indignados, os aimorés procuram
vingança: surpreendidos por Peri, enquanto espreitavam o banho de
Ceci, para logo após assassiná-la, dois aimorés caem
transpassados por certeiras flechas; o fato é relatado à tribo
aimoré por uma índia que conseguira ver o ocorrido.
A
luta que se irá travar não diminui a ambição de Loredano, que
continua a tramar a destruição de todos os que não o acompanhem.
Pela bravura demonstrada do homem português, têm importância
ainda dois personagens: Álvaro, jovem enamorado de Ceci e não
retribuído nesse amor, senão numa fraterna simpatia; Aires Gomes,
espécie de comandante de armas, leal defensor da casa de D. Antônio.
Durante
todos os momentos da luta, Peri, vigilante, não descura dos passos
de Loredano, frustrando todas suas tentativas de traição ou de
rapto de Ceci. Muito mais numerosos, os aimorés vão ganhando a
luta passo a passo.
Num
momento, dos mais heróicos por sinal, Peri, conhecendo que estavam
quase perdidos, tenta uma solução tipicamente indígena: tomando
veneno, pois sabe que os aimorés são antropófagos, desce a
montanha e vai lutar "in loco" contra os aimorés: sabe
que, morrendo, seria sua carne devorada pelos antropófagos e aí
estaria a salvação da casa de D. Antônio: eles morreriam, pois
seu organismo já estaria de todo envenenado.
Depois
de encarniçada luta, onde morreram muitos inimigos, Peri é
subjugado e, já sem forças, espera, armado, o sacrifício que lhe
irão impingir. Álvaro (a esta altura enamorado de Isabel, irmã
adotiva de Cecília) consegue heroicamente salvar Peri. Peri volta e
diz a Ceci que havia tomado veneno. Ante o desespero da moça com
essa revelação, Peri volta à floresta em busca de um antídoto,
espécie de erva que neutraliza o poder letal do veneno.
De
volta, traz o cadáver de Álvaro morto em combate com os aimorés.
Dá-se então o momento trágico da narrativa: Isabel, inconformada
com a desgraça ocorrida ao amado, suicida-se sobre seu corpo.
Loredano continua agindo. Crendo-se completamente seguro, trama
agora a morte de D. Antônio e parte para a ação. Quando menos supõe,
é preso e condenado a morrer na fogueira, como traidor.
O
cerco dos selvagens é cada vez maior. Peri, a pedido do pai de Cecília,
se faz cristão, única maneira possível para que D. Antônio
concordasse, na fuga dos dois, os únicos que se poderiam salvar.
Descendo por uma corda através do abismo, carregando Cecília
entorpecida pelo vinho que o pai lhe dera para que dormisse, Peri,
consegue afinal chegar ao rio Paquequer. Numa frágil canoa, vai
descendo rio abaixo, até que ouve o grande estampido provocado por
D. Antônio, que, vendo entrarem os aimorés em sua fortaleza, ateia
fogo aos barris de pólvora, destruindo índios e portugueses.
Testemunhas
únicas do ocorrido, Peri e Ceci caminham agora por uma natureza
revolta em águas, enfrentando a fúria dos elementos da tempestade.
Cecília acorda e Peri lhe relata o sucedido. Transtornada, a moça
se vê sozinha no mundo. Prefere não mais voltar ao Rio de Janeiro,
para onde iria. Prefere ficar com Peri, morando nas selvas. A
tempestade faz as águas subirem ainda mais. Por segurança, Peri
sobe ao alto de uma palmeira, protegendo fielmente a moça.
Como
as águas fossem subindo perigosamente, Peri, com força descomunal,
arranca a palmeira do solo, improvisando uma canoa. O romance
termina com a palmeira perdendo-se no horizonte, não sem antes
Alencar ter sugerido, nas últimas linhas do romance, uma bela união
amorosa, semente de onde brotaria mais tarde a raça brasileira... |