Morte
e vida Severina
João
Cabral de Melo Neto
Severino
é um retirante: ele é como muitos outros e que está partindo para
o litoral, fugindo da seca, da morte. A vida na Capital parece mais
atraente, mais "vida", menos "Severina". Em suas
andanças, entretanto, Severino se depara a todo momento não com a
vida, mas sim com o que já conhece como coisa vulgar: a morte e o
desespero que a cerca.
Em
seu primeiro encontro com ela, o retirante topa com dois homens
carregando um defunto até sua última morada. Durante uma conversa,
descobre que o pobre coitado havia sido assassinado e que o motivo
fora ter querido expandir um pouco suas terras, que praticamente não
eram produtíveis. O retirante segue sua viagem e percebe que
na região onde se encontra, nem o rio Capibaribe - seco no verão -
consegue cumprir o seu papel. Severino sente medo de não conseguir
chegar ao seu destino.
Escuta,
então, uma cantoria e, aproximando-se, vê que está sendo
encomendado um defunto. Pela primeira vez, Severino pensa em
interromper sua "descida" para o litoral e procurar
trabalho naquela vila. Ao dirigir-se a uma mulher, descobre que tudo
que sabe fazer não serve ali, e o único trabalho existente e
lucrativo é o que ajuda na morte: médico, rezadeira, farmacêutico,
coveiro. E o lucro é certo nessas profissões, pois não faltam
fregueses, uma vez que ali a morte também é coisa vulgar.
Se
não há como trabalhar, mais uma vez Severino retoma seu rumo e
chega à Zona da Mata, onde novamente pensa em interromper sua
viagem e se fixar naquela terra branda e macia, tão diferente do
solo do Sertão. Mais do que isso: começou a acreditar que não via
ninguém porque a vida ali deveria ser tão boa, que todos estavam
de folga e que ninguém deveria conhecer a morte em vida, a vida
Severina _ . Ilusão de quem está à procura do paraíso: logo
Severino assiste ao enterro de um trabalhador de eito e ouve o que
dizem do morto os amigos que o levaram ao cemitério _ . Severino se
dá conta que ali as privações são as mesmas que ele conhece bem
e que também a única parte que pode ser sua daquela terra é uma
cova para sepultura, nada mais _ _ .
O
retirante resolve então apressar o passo para chegar logo ao
Recife. Severino senta-se para descansar ao pé de um muro alto e
ouve uma conversa _ . É mais uma vez a morte rondando, são dois
coveiros que lhe dão a má notícia: toda a gente que vai do Sertão
até ali procurando morrer de velhice, vai na verdade é seguindo o
próprio enterro, pois logo que chegam, são os cemitérios que os
esperam _ _ _ .
Severino
nunca quis muito da vida, mas está desiludido: esperava encontrar
trabalho, trabalho duro, mas agora - desespero! - já se imagina um
defunto como aqueles que os coveiros descreviam, faltava apenas
cumprir seu destino de retirante.
Nesse
momento, aproxima-se de Severino seu José, mestre carpina, morador
de um dos mocambos que havia entre o cais e a água do rio. O
retirante, desesperançado, revela ao mestre carpina sua intenção
de suicídio, de se jogar naquele rio e ter uma mortalha "macia
e líquida". Se José tenta convencer Severino que ainda vale a
pena lutar pela vida, mesmo que seja vida Severina. Mas Severino não
vê mais diferença entre vida e morte e lança a pergunta:
"que diferença faria/ se em vez de continuar/tomasse melhor saída:
/a de saltar, numa noite, / fora da ponte e da vida?”.
Da
porta de onde havia saído o mestre carpina, surge uma mulher, que
grita uma notícia. Um filho nascera, o filho de seu José! Chegam
vizinhos, amigos, pessoas trazendo presentes ao recém-nascido. Vêm
também duas ciganas, que fazem a previsão do futuro do menino: ele
crescerá aprendendo com os bichos e no futuro trabalhará numa fábrica,
lambuzado de graxa e, quem sabe, poderá morar num lugar um pouco
melhor.
Severino
assiste ao movimento, ao clima de euforia com a vinda do menino. O
carpina se aproxima novamente do retirante e reata a conversa que
estavam levando. Diz que não sabe a resposta da pergunta feita,
mas, melhor que palavras, o nascimento da criança podia ser
uma resposta: a vida vale a pena ser defendida. |