Incidente
em Antares
Érico
Veríssimo
A
epígrafe do romance, em forma de nota do autor, já norteia o
leitor sobre a maneira como o texto foi construído, isto é, uma
miscelânea de situações reais e ficcionais, um romance ficcional
com falsa aparência de história verídica.
... A obra é dividida em duas partes compostas por capítulos
curtos e construídos em flashes, estrutura que lembra a dos
romances documentais do Realismo.
... A primeira parte, com 79 capítulos, é basicamente histórica e
intitula-se ANTARES. Fala sobre o nascimento do povoado, sua
transformação em município e do surgimento dos dois clãs que
governam a cidade desde o início dos tempos até o momento do
incidente em 1963. É uma reconstrução histórica detalhada, tanto
no que diz respeito ao ficcional da cidade, quanto ao que diz
respeito à história do Rio Grande do Sul e do Brasil.
...
A história do vilarejo, inicialmente chamado de Pocinho da Caveira,
começa com a visita de um cientista, o naturalista francês Gaston
Gontran D'Auberville por volta de 1830/31, que diz encontrar já no
lugar um fazendeiro chucro e desconfiado chamado Chico Vacariano. O
cientista diz ao fazendeiro, apontando o céu, que a estrela Antares
é maior do que o Sol. O fazendeiro não acredita, mas gosta do
nome, porque parece o de um lugar onde se criam antas, por isso,
mais tarde, o vilarejo passa a se chamar Antares, embora na vila
ninguém entenda o motivo.
... Por volta de 1860 chega ao lugar, como senhor de vastas terras,
Anacleto Campolargo, o que desagrada muito Vacariano. Anacleto
chegou para fincar pé e pela primeira vez alguém enfrentou Chico
Vaca, aí nasceu a eterna rixa entre Vacarianos e Campolargos, briga
que foi mantida pelos descendentes até o ano do incidente.
...
A partir daí, Érico Veríssimo narra a história de ódio entre os
sucessores dos clãs para contar passagens importantes das histórias
do RS e do Brasil. Quando Vacarianos estavam de um lado, com certeza
Campolargos estavam de outro, à exceção da Guerra do Paraguai, em
que lutam do mesmo lado, mas divergem em relação à autoria da
morte do ditador Solano Lopes.
...
As únicas alterações ocorridas nas histórias dos clãs deram-se
mais modernamente quando as violências físicas cessaram e Dona
Quitéria assumiu a direção do clã dos Campolargos, por incompetência
política do marido Zózimo.
...
A segunda parte, com 102 capítulos, trata propriamente do INCIDENTE
e começa com uma greve geral que Tibério Vacariano tenta impedir a
todo custo, mas não consegue. O texto assume então um tom irônico
de denúncia da estrangeirização da indústria brasileira e da
confusão estabelecida entre grevistas e comunistas, o que para
muitos eram uma coisa só.
...
A situação piora quando, na sexta-feira, 13 de Dezembro de 1963,
sete pessoas amanhecem mortas, D. Quitéria Campolargo é a morta
mais ilustre, seguida pelo Dr. Cícero Branco, o Prof. Menandro, o
Barcelona, o Joãozinho Paz, a prostituta Erotildes e outro de menor
importância. O fato é que a greve se amplia aos coveiros e os
mortos não podem ser enterrados nem por eles, nem por ninguém.
...
O incidente piora ainda mais quando um ladrão de sepulturas tenta
roubar as jóias dos mortos e se depara com D. Quitéria
ressuscitada e em seguida ressuscitam todos os outros que, depois de
mortos, unem-se visto não haver classes sociais para defuntos.
Depois de reunidos, devidamente apresentados e de aparecerem na
cidade, saem cada um para seu lado para acertar contas pendentes com
os vivos.
...
Em função do ajuste de contas, os mortos são apedrejados e
descobrem que não são bem-vindos, mesmo D. Quita. Os grevistas,
diante do ocorrido, resolvem suspender o movimento e enterrar os
mortos, que aceitam, e o enterro é feito no sábado, 14 de
Dezembro.
...
O prefeito Vivaldino tratou logo de desmentir o ocorrido, que aos
poucos foi esquecido e na vida como os romances, logo tudo voltou ao
normal, com exceção de às vezes, alguns vultos na calada da noite
picharem frases nos muros da cidade. |