Fogo
morto
José
Lins do Rego
O
Mestre José Amaro
José
Amaro vivia de consertar sela, arreios, mexer com o couro, com a
sola. Passava o dia trabalhando em sua tenda na frente da casa.
Muitos eram os que passavam pela estrada e cumprimentavam-no,
paravam para uma conversa rápida, ou então para pedir algum
conserto, entre eles Seu Laurentino, o pintor, Torquato, o cego, Alípio,
o aguardenteiro, que mais tarde entrou para o bando do Capitão Antônio
Silvino, Vitorino, seu compadre, e o negro José Passarinho. Alguns
ele atendia com certa satisfação, fazia até consertos de graça,
mas recusava-se a atender o pessoal do Santa Rosa, engenho do
Coronel José Paulino, com quem tinha suas diferenças. Dizia que o
coronel gritava com todos e que ele não era homem de levar grito.
Sentia orgulho nessa sua atitude. Fora sempre um homem de trato
duro, áspero, mas ultimamente tinha piorado muito, estava sempre
bravo com todos, sempre com críticas, qualquer coisa que alguém
dizia ele retrucava.
Também
dera para ter raiva de sua família. Sinhá tinha se casado com José
Amaro para não ficar moça velha, como ia ficando sua filha,
solteira e já com trinta anos. Toda a vida Sinhá passou sem
exercer sua vontade, obedecendo em tudo ao marido. A única coisa
que lhe dava motivo de viver era sua filha Marta. Defendia-a dos
ataques do marido que a cada dia que passava ia ficando mais ríspido,
mais duro no tratamento com elas. As atitudes destemperadas do
seleiro foram também, pouco a pouco, criando um sentimento de medo
em Sinhá, percebia que o marido estava ficando diferente,
ensimesmado, mais agressivo, distante. E ainda havia a história de
ele ser lobisomem.
Sinhá
cuidava da casa, da criação, mas não tinha dado ao seleiro um
filho. Ao invés disso, deu-lhe uma filha, Marta, que por qualquer
coisa chorava. Nunca tinha se casado, apesar de ser moça estudada:
sabia ler, tinha letra bonita, bordava e costurava. Não era moça
feia, outras menos bonitas tinham conseguido marido. Agora com
trinta anos dera para chorar baixinho o dia todo, tinha uma aflição
que a comia por dentro. Um dia Marta teve uma crise, foi encontrada
deitada no chão da sala, grunhindo. Por algum tempo depois da crise
parecia que estava melhor, mais animada, até que um dia saiu da
casa gritando e rindo sem parar. José Amaro pegou um pedaço de
sola na mão e deu uma surra em Marta. A partir de então, Marta
começou a falar coisas sem sentido e a dar risadas medonhas. Tinha
endoidado de vez.
A
angústia com a vida que José Amaro levava foi aumentando e
num ímpeto de tentar aliviá-la, o mestre começou a dar uns
passeios pela redondeza à noite. Isto e mais sua aparência
descuidada, sua pele amarelada pelo trabalho com o couro motivaram o
falatório do povo e alimentaram a crença em que José Amaro tinha
se transformado em lobisomem.
O
sofrimento de José Amaro só era amenizado pelas histórias do
bando do Capitão Antônio Silvino, que enfrentava as tropas do
Tenente Maurício e os coronéis de engenho a favor dos pobres. Alípio
é quem trazia as notícias da movimentação do bando, e começou a
pedir a ajuda do mestre para arranjar provisões para o bando e para
saber onde andava o tenente. Isso deu ao mestre um sentimento de
utilidade, de orgulho, agora ele tinha um novo motivo para viver.
Mestre Amaro vivia no engenho Santa Fé desde os tempos em que o
Capitão Tomás era o proprietário _ . Depois da morte do Capitão
Tomás, seu genro, Coronel Luís César de
Holanda Chacom é quem passou a tomar conta do Santa Fé.
Coronel
Lula de Holanda passava sempre pela porta de mestre José Amaro com
seu cabriolé. José Amaro gostava de ver o cabriolé enchendo a
estrada, com seus cavalos, suas lamparinas, suas campainhas. Só não
gostava da soberba do coronel. Não era homem de andar a pé pelo
engenho, não gostava de tomar conta da propriedade, que a cada dia
estava mais abandonada. Não era como no tempo do Capitão Tomás.
Entre sua criadagem tinha o negro Floripes, que o Coronel Lula
apadrinhou. Fazia questão que o negro acompanhasse as rezas da família
todo final de tarde.
Aproveitando-se
da doença do Coronel e da estima que este lhe tinha, Floripes
inventou uma intriga a respeito de José Amaro. Isto porque o
seleiro não gostou de um recado que o coronel havia mandado pelo
negro e enxotou-o de sua casa. O Coronel mandou chamar o
mestre e pediu para ele sair de suas terras. No dia seguinte, Sinhá,
ajudada pelo compadre Vitorino, levou Marta para um hospital no
Recife. O mestre sentiu um enorme vazio, medo de voltar para casa,
e, debaixo de uma pitombeira, abaixou a cabeça e chorou.
O engenho do Seu
Lula
“O
Capitão Tomás Cabral de Melo chegara do Ingá do Bacamarte para a
Várzea do Paraíba, antes da revolução de 1848, trazendo muito
gado, escravos, família e aderentes”.Comprou umas terras perto do
Santa Rosa e se instalara ali. Era homem trabalhador, ele mesmo,
junto com seus homens, foi levantando o Santa Fé. No começo, não
sabia nada de açúcar, criava gado, plantava algodão. Mas era
homem obstinado, levantou o engenho, comprou o que foi necessário
para dar início à produção e dois anos depois colhia sua
primeira safra. O povo, que não tinha botado fé naquele camumbembe,
via com espanto o engenho crescer, tomar corpo. Depois de algum
tempo, o Santa Fé produzia mais que outros engenhos de mais
recursos.
Diziam
que os negros do Santa Fé eram maltratados, que recebiam castigos
tremendos. "Negro no Santa Fé era de verdade besta de
carga”.Sua escravatura não participava das festas do Pilar,
"não vivia no coco como a do Santa Rosa”.O capitão achava
que negro tinha nascido para o trabalho e, mesmo ele, que não era
negro, trabalhava de sol a sol. O resultado disso é que o Santa Fé
era um engenho triste.
Quando
a filha Amélia voltou dos estudos no Recife, mandou buscar um
piano. Este fato foi motivo de festa para o povo, que nunca tinha
visto um piano de cauda, maior que todos da região. Mais de dez
negros trouxeram o piano na cabeça pela estrada e o capitão vinha
atrás dando ordens. Neste mesmo ano o Capitão Tomás mandou pintar
a casa-grande e registrou o ano de 1850 no frontão da casa.
Nos
finais das tardes de domingo, o prazer do capitão era ouvir sua
filha tocar valsas. A mulher, cansada dos trabalhos da cozinha, com
as mãos grossas de debulhar milho para negro, enchia-se de alegria.
D. Amélia tocava suas varsovianas com alma. Aquele era um momento
especial no Santa Fé. Pai, mãe e a escravatura experimentavam uma
existência muito diferente dos dias normais, embalados pela música.
O
capitão estava no auge de sua vida, com o engenho produzindo como
nunca, tinha voz de comando no Partido Liberal, era respeitado por
todos. Mas o fato de sua filha mais velha, tão prendada, educada no
Recife, não ter se casado enchia o coração do velho de tristeza.
Ali na Ribeira não havia homem para ela. Queria homem educado, de
bons modos, que a tratasse bem. Até que apareceu, vindo de
Pernambuco, o primo Luís César de Holanda Chacom. Homem de boa
aparência, educado. O Capitão Tomás gostou logo do rapaz e
foi-lhe chamando de Lula. D. Amélia também se engraçou dele, e as
varsovianas passaram a ter mais sentimento. Entretanto, tempos
depois o rapaz foi em viagem para o Recife, sem fazer o pedido tão
esperado, e o silêncio reinou naquela casa.
Ao
mesmo tempo, chegaram notícias do Recife sobre Olívia, a filha
mais nova do Capitão Tomás, dizendo que ela se encontrava com uma
doença de difícil cura _ . Foi com muita tristeza que o capitão
foi visitá-la. Não pôde trazê-la para casa como queria. Voltou
para o Santa Fé completamente abalado, era outro homem. Passados
meses, todos na casa já tinham se conformado com a doença de Olívia,
menos ele. Ia de dois em dois meses visitar a filha e quando voltava
não falava com ninguém. Sofria calado, abandonou o Partido
Liberal, não tinha mais gosto pelo trabalho, ficava horas deitado
no marquesão da sala. Nem sua filha Amélia conseguia tirar o pai
daquele estado _ . Até que um moleque escravo fugiu. O Capitão
levantou-se atrás do negro fujão, voltou com ele e mandou dar-lhe
um corretivo. Um outro fato que o ajudou a sair daquele estado foi
à chegada de uma carta do Recife, com o pedido de casamento do
primo Lula.
O
Capitão Tomás quis que sua filha continuasse morando no engenho
com o marido. Entretanto, conforme o tempo ia passando, o capitão
notou com tristeza que o genro não tinha o menor interesse pelo
engenho. Tentou de todas as maneiras motivar o primo Lula, mas este
só andava engravatado, vestido para visita. Assustou-se por pensar
que um dia tudo aquilo seria do marido de sua filha, e que o rapaz não
tinha gosto pelo trabalho. O que o conformava é que Lula tratava
bem de sua filha, era carinhoso, tinha boa figura, sua filha parecia
feliz.
Um
dia, entrou pelo Santa Fé o cabriolé de Luís César de Holanda
Chacom, vindo do Recife. Tiveram que mandar consertar os caminhos
para que o cabriolé pudesse passar. A família ia agora de carro
para a missa no Pilar, quando passavam todos olhavam com admiração.
O capitão gostou da "importância que lhe vinha de tudo".
O
moleque Domingos foge novamente, desta vez levando dois cavalos de
sela. Seu Lula foi junto com o Capitão Tomás atrás do negro.
Seguiram as pistas que um ou outro indicava e deram numa fazenda. O
dono sentiu-se ofendido por desconfiarem que escondia negro fugido e
ladrão. Cercados por mais dois de punhal, o capitão e o primo
tiveram que engolir as ofensas e voltaram sem Domingos. Esta situação
motivou novo desânimo no capitão. Ficou como se estivesse doente,
como quando soube da doença da filha Olívia. Durante dias ficou
deitado na rede da varanda, sem ânimo para nada. Escutava sua filha
Olívia, que tinha mandado buscar, falando coisas sem nexo. Aquilo
doía-lhe a alma.
Lula
tentou assumir o engenho, mas mostrou seu lado mau ao mandar
castigar um negro sem razão. D. Mariquinha, mulher do Capitão Tomás,
brigou com o genro e tomou as rédeas do engenho. Era ela quem dava
as ordens agora. O genro e a filha ficaram magoados e o Santa Fé
ficou ainda mais calado, triste. Numa tarde, no alpendre da casa,
faleceu o Capitão Tomás.
Houve
briga pelo inventário. Lula fez exigências, Mariquinha não
concordou. D. Amélia, de início, foi contra o marido, mas acabou
cedendo. A partir de então, quando o povo via o Seu Lula passando
de cabriolé com a família, via um homem ambicioso, que queria
roubar a sogra. D. Amélia sofria com a situação entre sua mãe e
o marido, quis morar em outro lugar, mas Seu Lula não quis por
causa da filha. A menina era mimada, chorava muito à noite. D.
Mariquinha queria ajudar, a neta era a única alegria de sua vida de
viúva; entretanto, Lula fez de tudo para que a sogra não se
apegasse à neta, proibiu-a até de segurar a criança. Ela passou a
detestar aquele homem sem sentimento e só abrandou seu ódio quando
a neta ficou doente e o genro, ao contrário de todo homem que ela
conhecia, cuidou noite e dia da menina, não saía do seu lado. D.
Mariquinha teve de reconhecer que ele era um bom pai e amava aquela
criança e, assim, embora triste, conformou-se com a situação.
Depois
da morte de D. Mariquinha, Lula reuniu os negros, dali para frente não
haveria mais vadiação e todos deveriam rezar as ave-marias das
tardes. Nada mais de S. Cosme e S. Damião. "Aquilo era feitiçaria”.Seu
Lula, agora Capitão Lula de Holanda, passava o dia na rede
brincando com a filha, lendo jornal, o feitor vinha buscar as ordens
e dar conta do serviço. Olívia andava de um lado para o outro, no
seu mundo particular e Amélia assumiu o lugar da mãe na cozinha.
O
Capitão Lula tratava mal seus negros, castigava-os por qualquer
coisa, deixava-os à míngua. O feitor é que levava adiante o
engenho como podia. Lula só se preocupava com suas orações e com
a filha. "E o Santa Fé foi ficando assim o engenho sinistro da
várzea”.Quando chegou a abolição, todos os negros foram para
outros engenhos. Só o boleeiro Macário ficou porque tinha paixão
por seu trabalho. Ninguém queria trabalhar no Santa Fé por causa
das história de tortura. O Santa Rosa acudiu o Santa Fé, que aos
poucos foi definhando, perdendo as plantações.
No
dia da abolição os negros foram para frente da casa, acenderam
fogueira, cantaram. O Capitão Lula teve medo deles invadirem a casa
e armou-se com o clavinote. Quando os negros se foram D. Amélia
viu, pela primeira vez, seu marido empalidecer e cair no sofá
retorcendo-se todo, com uma baba branca escorrendo de sua boca.
Por
esses tempos, Lula e Amélia orgulhavam-se da filha Neném,
que estudava no Recife. Quando podia, a menina vinha em visita ao
Santa Fé e todos iam à missa de cabriolé, o Capitão Lula parecia
que levava uma princesa. D. Neném era moça bonita, prendada. Era
ela quem tocava o piano da casa agora. D. Amélia se ressentia da
relação pai-filha, tinha ficado de lado, isolada. Não tinha
conversa com sua filha, o marido já não dava importância a ela
desde que perdera o segundo filho.
Quando
soube que sua filha estava se engraçando de um promotor do Pilar,
Lula ficou furioso. Não queria que sua filha se casasse com um
camumbembe qualquer. Gritou com a mulher, a filha trancou-se no
quarto chorando. Lula teve outro ataque. A mulher e a filha correram
para ajudar. Lula passou dias deitado no marquesão, onde
antes ficava o sogro, pensando que de forma alguma deixaria sua
filha se casar com um homem de rua. Antes vê-la morta. Fez-se silêncio
novamente no Santa Fé.
Às
seis horas o Coronel Lula mandava Floripes tocar o sino no alpendre
de trás chamando para a reza. O moleque agora rezava na sala
dos santos com a família, tratava o Coronel com devoção. D. Amélia
não gostava da fala mansa de Floripes. Neném vivia cuidando do
jardim, não falava com ninguém, nem com o pai com quem era tão
ligada. O Coronel, por seu lado, passou a ignorar a filha desde o
ocorrido por causa do promotor.
O
Coronel Lula parecia não ver o que estava ocorrendo no Santa Fé. Só
D. Amélia sabia da condição de ruína do engenho. Mal havia
comida que desse para eles. Ela passou a vender ovos para a Paraíba,
escondida do marido. Mas continuavam indo à missa do Pilar de
cabriolé. D. Neném e D. Amélia colocavam as jóias ganhas no
tempo de riqueza e que o coronel fazia questão que elas usassem.
Numa
noite apareceram uns safados cortando caixão na frente da casa do
Coronel Lula, que saiu de clavinote, xingando todo mundo. Teve novo
ataque, D. Amélia socorreu sozinha, a filha chorava no quarto. A
doença de Lula parecia irreversível e a decadência do Santa Fé
era completa.
O Capitão
Vitorino
Uma
noite Antônio Silvino atacou o Pilar, "soltaram os presos,
cortaram os fios do telégrafo da estrada de ferro e foram à casa
do prefeito Napoleão para arrasá-lo”.Entre outras coisas, pegou
dois caixões cheios de moedas e abriu-os no meio da rua para o povo
se servir à vontade.
No
dia seguinte, José Amaro soube que o grupo de Antônio Silvino
havia arrasado a vila. Ficara feliz com o ataque dos cangaceiros.
Capitão Silvino era o seu herói, fazia o que ele não tinha
coragem para fazer.
Havia
uma semana que o Coronel Lula tinha mandado que ele saísse de suas
terras. Sua mulher foi passar uns dias na casa da comadre Adriana.
José Amaro sabia que ela não queria mais vê-lo, aquilo era
desculpa. Sentia-se muito só. Nunca pensou que ligasse para sua
casa, para as árvores, para o chiqueiro, para as flores. José
Passarinho é quem cuidava dele, fazia comida. Todos os outros
estavam contra ele: sua mulher, o Coronel Lula e aquele povo, que
agora tinha medo dele, desviavam-se de seu encontro, olhavam-no com
suspeita. De onde tinham tirado aquela idéia de ele ser lobisomem?
Apareceu
Vitorino na casa do mestre. O Capitão Vitorino Carneiro da
Cunha, casado com D. Adriana, era compadre de José
Amaro. Sempre foi considerado uma pessoa desprezível,
todos chamavam-no Papa-Rabo, por acharem que ele só andava
atrás dos grandes. Por várias vezes é abordado por pessoas que têm
prazer em xingá-lo, provocá-lo. Por seu lado Vitorino, gosta de
contar vantagem, de se fazer de valentão. No fundo é "uma
criança de cabelos brancos". Fala o que pensa, provoca os
outros com sua conversa, mostra ter influência junto às pessoas
importantes. Quando implica com alguém, puxa para briga, diz
desaforos. Mas ninguém o leva a sério. Riem dele. É o bobo do
lugar. Um Dom Quixote do sertão.
Sua
mulher sofre com seus desatinos, com a vida de ir para lá e para cá
sem nada fazer, sem trazer dinheiro para casa. Ela é quem sustenta
a família, castrando frangos para as fazendas vizinhas, era a única
que tinha ciência dessa arte por ali. Era muito amiga de Sinhá e
por diversas vezes ajudou-a com a filha Marta.
O
seleiro também tem desprezo pelo compadre. Acha-o um fraco, incapaz
de acabar com aquela história de xingamentos, de se fazer
respeitar. Vitorino também não tem muita consideração pelo
mestre devido ao fato de ser seleiro, um trabalho pouco respeitado
por Vitorino.
Na
última parte da narrativa, Vitorino aparece na casa do mestre com
sua burra velha. Agora, depois de tudo que aconteceu em sua vida, o
mestre teve prazer na visita do amigo. Vitorino fala das eleições,
está no partido de Rego Barros, tenta convencer o mestre a votar em
seu partido, diz que tudo vai mudar, que os coronéis não vão mais
fazer o que querem por ali. O mestre não fala, mas já se decidiu a
votar em Antônio Silvino. Vitorino se propõem a ajudar o mestre na
questão com o Coronel Lula. Na estrada, o Capitão Vitorino sofre
xingamento de um moleque e, pela primeira vez pegou o menino e quase
lhe partiu a cabeça.
Capitão
Silvino tomou o partido do mestre José Amaro na questão com o
Coronel Lula. Enviou uma carta ao Santa Fé, mandando dizer que era
para o coronel deixar José Amaro em paz nas suas terras. Para
surpresa de D. Amélia, o coronel mostrou-se calmo com a notícia.
Lula procurou ajuda no Santa Rosa, mas ninguém queria se meter com
Antônio Silvino. Mesmo assim, insistiu e deu prazo de três dias
para o mestre abandonar o lugar.
Vitorino
chegou ao Santa Fé para falar de política com seu primo, o
coronel. Lula ouviu calado e depois deu uma resposta malcriada.
Vitorino se ofendeu, mas entrou na conversa sobre a expulsão do
mestre. Os dois discutiram, o coronel pôs Vitorino para fora de sua
casa e teve outro ataque.
Indo
de madrugada para o Pilar com o intuito de defender seu amigo
seleiro, Vitorino encontrou o Tenente Maurício que perguntou se o
outro tinha alguma notícia do bando de Antônio Silvino. Vitorino
respondeu duvidando da capacidade do tenente em pegar o bando. Eles
discutiram, Vitorino enfrentou o tenente e foi preso, com a testa
sangrando. O primo José Paulino, o juiz municipal, Dr. Samuel e
outros senhores de engenho vieram em auxílio de Vitorino, contra o
tenente, que não arredou pé de sua decisão. A partir disso,
Vitorino passou a ser olhado com outros olhos pelo povo, como homem
cheio de coragem, que não tinha medo de nada nem de ninguém.
Correu a notícia pelo estado de que o ocorrido era por questões
políticas. Vitorino era contra o governo, a favor do candidato Rego
Barros. O Coronel Rego Barros mandou telegrama congratulando
Vitorino por enfrentar a oposição.
O
filho de Vitorino, Luís, chegou na Paraíba. Havia algum tempo, a mãe
Adriana fez de tudo para enviar seu filho para a Marinha, queria que
tivesse vida diferente do pai, longe dali evitaria que o filho
sofresse humilhação pelos desatinos de Vitorino. Agora ele voltava
como suboficial da Armada. Vitorino estava orgulhoso de apresentá-lo
a todos. Era um homem diferente, não gritavam mais Papa-Rabo para
ele. Luís queria que os pais fossem morar com ele no Rio. Vitorino,
porém, se recusou, dizendo que sua vida estava ali naquele lugar.
Adriana, entretanto, sentiu que aquele poderia ser o momento de se
livrar da vida incerta que tinha com o marido.
O
Capitão Antônio Silvino invadiu o Santa Fé. Amarraram o Floripes,
que chorava de medo. O Capitão tinha ouvido as histórias sobre as
moedas de ouro que o Capitão Tomás tinha deixado de herança e
queria que Lula entregasse a botija. Mal sabia ele que nos últimos
tempos o Santa Fé só sobrevivia porque o Coronel Lula ia, a cada
ano, trocando as moedas no Recife. Não havia mais ouro nenhum,
viviam na miséria. O Capitão não acreditou, vasculhou a casa,
viraram o piano de pernas para o ar. O Coronel, já muito doente, não
entendia bem o que estava acontecendo, parecia meio fora de si, quem
respondia para o capitão era D. Amélia.
Foi
quando apareceu Vitorino, pedindo que parassem com aquilo. Puxou o
punhal em posição de ameaça, mas foi derrubado por uma coronhada
de rifle. O Coronel José Paulino chegou e conseguiu convencer o
Capitão Silvino de que seu vizinho não tinha dinheiro nenhum. Na
sala, o Coronel Lula tinha tido mais um dos seus ataques e estava
inconsciente.
A
notícia do assalto do Santa Fé correu logo. Vitorino mais
uma vez foi considerado herói. "Agora Vitorino podia dizer que
furava de punhal, que eles acreditavam”.
O
Tenente Maurício prendeu o cego Torquato, queria que ele revelasse
onde estava o bando dos cangaceiros. Na prisão o cego apanhou
muito. Vitorino gritava do lado de fora contra a atitude do tenente.
A casa de José Amaro foi cercada pela força policial. Sinhá tinha
ido embora de vez naquele dia, para grande tristeza do mestre, que
passou o dia largado na rede. Levaram o negro Passarinho e o mestre
presos.
A
sela da prisão do Pilar fedia com seus mais de dez presos. Vitorino
não se conformou com a prisão do cego, do negro e de seu compadre.
Pediu ajuda do juiz. No outro dia apresentaram-se para audiência e
o juiz deu habeas-corpus aos presos. Vitorino saiu comemorando, mas
o tenente disse que não soltaria os presos. Houve novo confronto
entre Vitorino e o Tenente. Alguns homens da tropa cercaram Vitorino
e o levaram para a cadeia. Lá, passaram-lhe o cipó-de-boi, mas
Vitorino não parava de xingar o tenente, de gritar que tudo aquilo
era uma canalhice.
Quem
novamente resolveu a situação foi o Coronel José Paulino, do
Santa Rosa. Adriana tratou de Vitorino. Pela primeira vez sentiu
orgulho de seu marido. Deitado no quarto, o velho Vitorino pôs-se a
imaginar o que faria quando eleito. Ia botar as coisas para
funcionar direito. Todos teriam que obedecer à lei, não haveria
mais regalias para os grandes, delegado não poderia mais fazer o
que quisesse, nem estar a mando dos coronéis. Começou a imaginar
quem iria colocar neste ou naquele cargo. Imaginou-se entrando na
casa da Câmara com o povo dando vivas a ele. "Todos ficariam
contentes com o seu triunfo”.
No
dia seguinte, o negro Passarinho chegou correndo à casa de
Vitorino. Contou que durante a noite tinha escutado o seleiro chorar
e chorou também. De manhã encontrou o mestre perto da tenda com a
faca de cortar sola enfiada no peito.
Vitorino
foi com Passarinho cuidar do defunto. Lá da estrada viram a chaminé
do Santa Rosa soltando fumaça. Da chaminé do Santa Fé, coberta de
plantas, nada saía: o engenho já não funcionava, estava de fogo
morto. |