Caramuru
Santa
Rita Durão
Poema
Épico do Descobrimento da Bahia é composto de dez cantos e, de
acordo com o gênero, divide-se em cinco partes: proposição,
invocação, dedicação, narração e epílogo. Canto I Na primeira
estrofe, o poeta introduz a terra a ser cantada e o herói - Filho
do Trovão -, propondo narrar seus feitos (proposição). Na estrofe
seguinte, pede a Deus que o auxilie na realização do intento
(invocação), e da terceira a oitava estrofes, dedica o poema a D.
José I, pedindo atenção para o Brasil, principalmente a seus
habitantes primitivos, dignos e capazes de serem integrados à
civilização cristã. Se isso for feito, prevê Portugal renascendo
no Brasil. Da nona estrofe em diante, tem-se a narração. A caminho
do Brasil, o navio de Diogo Álvares Correia naufraga. Ele e mais
sete companheiros conseguem se salvar. Na praia, são acolhidos
pelos nativos que ficam temerosos e desconfiados. Os náufragos, por
sua vez, também temem aquelas criaturas antropófagas, vermelhas
que, sem pudor, andam nuas. Assim que um dos marinheiros morre,
retalham-no e comem-lhe, cruas mesmo, todas as partes. Sem saber o
futuro, os sete são presos em uma gruta, perto do mar, e, para que
engordem, são bem alimentados. Notando que os índios nada sabem de
armas, Diogo, durante os passeios na praia, retira, do barco destroçado,
toda pólvora e munições, guardando-as na gruta. Desde então,
como vagaroso enfermo, passa a se utilizar de uma espingarda como
cajado. Para entreter os amigos, Fernando, um dos náufragos, ao som
da cítara, canta a lenda de uma estátua profética que, no ponto
mais alto da ilha açoriana, aponta para o Brasil, indicando a
futuros missionários o caminho a seguir.Um dia, excetuando-se
Diogo, que ainda estava enfermo e fraco, os outros seis são
encaminhados para os fossos em brasa.
Todavia,
quando iam matar os náufragos, a tribo do Tupinambá Gupeva é
ferozmente atacada por Sergipe. Após sangrenta luta, muitos morrem
ou fogem; outros se rendem ao vencedor que liberta os pobres homens
que desaparecem, no meio da mata, sem deixar rastro. Canto II
Enquanto a luta se desenvolve, Diogo, magro e enfermo para a gula
dos canibais, veste a armadura e, munido de fuzil e pólvora, sai
para ajudar os seis companheiros que serão comidos. Na fuga, muitos
índios buscam esconderijo na gruta, inclusive Gupeva que, ao se
deparar com o lusitano, saindo daquele jeito, cai prostrado,
tremendo; os que o seguiam fazem o mesmo; todos acham que o demônio
habita o fantasma-armadura. Álvares Correia, que já conhecia um
pouco a língua dos índios, espera amansá-los com horror e arte.
Levantando a viseira, convida Gupeva a tocar a armadura e o
capacete. Observa, amigavelmente, que tudo aquilo o protege,
afastando o inimigo, desde que não se coma carne humana. Ainda
aterrorizado, o chefe indígena segue-o para dentro da gruta, onde
Diogo acende a candeia, levando-o a crer que o náufrago tem poder
nas mãos. Sob a luz, vê, sem interesse, tudo que o branco retirara
da nau. Aqui, o poeta, louva a ausência de cobiça dessa gente.
Entre os objetos guardados pelos náufragos, Gupeva encanta-se com a
beleza da virgem em uma gravura.Tão bela assim não seria a esposa
de Tupã? Ou a mãe de Tupã? Nesse momento, encantado pela intuição
do bárbaro, Diogo o catequiza, ganhando-lhe, assim a dedicação.
Saindo da gruta, o índio, agora manso e diferente, fala a seu povo
Tupinambá, ao redor da gruta. Conta-lhes sobre o feito do emboaba,
Diogo, e que Tupã o mandara para protegê-los. Para banquetear o
amigo, saem para caçar. Durante o trajeto, Álvares Correia usa a
espingarda, aterrorizando a todos que exclamam e gritam: Tupã
Caramuru! Desde esse dia, o herói passa a ser o respeitado Caramuru
- Filho do Trovão. Querendo terror e não culto, Diogo afirma-lhes
que, como eles, é filho de Tupã e a este, também, se humilha. Mas
que como filho do trovão, (dispara outro tiro) queimará aquele que
negar obediência ao grande Gupeva.Nas estrofes seguintes, o poeta
descreve os costumes da selva. Caramuru instala-se na aldeia, onde
imensas cabanas abrigam muitas famílias, que vivem em harmonia.
Muitos índios querem vê-lo, tocá-lo. Outros, em sinal de
hospitalidade, despem-no e colocam-no sobre a rede, deixando-o tranqüilo.
Paraguaçu é uma índia, de pele branca e traços finos e suaves.
Apesar de não amar Gupeva, está na tribo por ter-lhe sido
prometida.
Como
sabe a língua portuguesa, Diogo quer vê-la. Após o encontro os
dois estão apaixonados. Canto III À noite, Gupeva e Diogo
conversam sob a tradução feita por Paraguaçu. O lusitano fica
pasmo ao saber que, para o chefe da tribo, existe um princípio
eterno; há alguém, Tupã, ser possante que rege o mundo; aquele
que vence o nada, criando o universo. O espírito de Deus, de alguma
maneira, comunica-se com essa gente. Gupeva eloqüente fala acerca
da concepção dos selvagens sobre o tempo, o Céu, o Inferno.
Abordam a lenda da pregação de S. Tomé em terras americanas.
Concluindo a conversa, o cacique diz que estão para ser atacados
pelos inimigos; Caramuru aconselha-o a ter calma. De repente, chegam
os ferozes índios Caetés que, ao primeiro estrondo do mosquete,
batem em retirada, correndo, caindo; achando, enfim, que o céu todo
lhes cai em cima. Canto IV O temido invasor noturno é o Caeté,
Jararaca, que ama Paraguaçu perdidamente. Ao saber que ela esta
destinada a Gupeva, declara guerra. Após o ataque estrondoso do
Filho do Trovão, Jararaca convoca outras nações indígenas com as
quais tinha aliança: Ovecates, Petiguares, Carijós, Agirapirangas,
Itatis. Conta-lhes que Gupeva prostrou-se aos pés de um emboaba
pelo pouco fogo que acendera, oferecendo-lhe até a própria noiva.
O cacique alerta-os que se todos agirem assim, correm o risco de
serem desterrados e escravizados em sua própria terra, enchendo de
emboabas a Bahia. Apela para a coragem dos nativos, dizendo que
apesar do raio do Caramuru ser verdadeiro, ele nada teme, porque não
vem de Deus. Não há forças fabricadas que a eles destruam.
A
guerra tem início e Paraguaçu também luta heroicamente e, num
momento de perigo, é salva pelo amado lusitano. Canto V Depois da
batalha, os amantes discorrem sobre o mal que habita o ser humano e
qual a razão de Deus para permiti-lo. Em seguida, em Itaparica, o
herói faz com que todos os índios se submetam a ele, destruindo as
canoas com as quais Jararaca pretendia liquidá-lo. Canto VI As
filhas dos chefes indígenas são oferecidas ao destemido Diogo,
para que este os honre com o seu parentesco. Como ama Paraguaçu,
aceita o parentesco, mas declina as filhas. Na mata, o herói
encontra uma gruta com tamanho e forma de igreja e percebe ali a
possibilidade dos nativos aceitarem a Fé Cristã, e se dispõe a
doutriná-los. Mais tarde, salva a tripulação de um navio espanhol
naufragado e, saudoso da Europa, parte com Paraguaçu em um barco
francês. Quando a nau ganha o mar, várias índias, interessadas em
Álvares Correia, lançam-se nas águas para acompanhá-lo. Moema, a
mais bela de todas, consegue chegar perto do navio Agarrada ao leme,
brada todo seu amor não correspondido ao esquivo e cruel Caramuru.
Implora para que ele dispare sobre ela seu raio. Ao dizer isso,
desmaia e é sorvida pela água. As outras, que a acompanhavam,
retornam tristes à praia. Nas demais estrofes do canto, a história
do descobrimento do Brasil é contada ao comandante do barco francês.
Canto VII Na França, o casal é recebido na corte e Paraguaçu é
batizada com o nome da rainha Catarina de Médicis, mulher de
Henrique II, que lhe serve de madrinha. Diogo lhes descreve tudo o
que sabe a respeito da flora e fauna brasileira. Canto VIII Henrique
II se predispõe a ajudar Diogo Álvares na tarefa de doutrinamento
e assimilação dos índios, oferecendo-lhe tropa e recompensa. Fiel
à monarquia portuguesa, o valente lusitano recusa tal proposta. Na
viagem de volta ao Brasil, Catarina-Paraguaçu profetiza,
prospectivamente, o futuro da nação. Descreve as terras da Bahia,
suas povoações, igrejas, engenhos, fortalezas. Fala sobre seus
governadores, a luta contra os franceses de Villegaignon, aliados
aos Tamoios. Discorre sobre o ataque de Mem de Sá aos franceses no
forte da enseada de Niterói e sobre a vitória de Estácio de Sá
contra as mesmas forças. Canto XIX Prosseguindo em seu vaticínio,
Catarina-Paraguaçu descreve a luta contra os holandeses que termina
com a restauração de Pernambuco. Canto X A visão profética de
Catarina-Paraguaçu acaba se transformando na da Virgem sobre a criação
do universo. Ao chegar, o casal é recebido pela caravela de Carlos
V que agradece a Diogo o socorro aos náufragos espanhóis.
A
história de Pereira Coutinho é narrada, enfatizando-se o apoio dos
Tupinambás na dominação dos campos da Bahia e no povoamento do
Recôncavo baiano. Na cerimônia realizada na Casa da Torre, o casal
revestido na realeza da nação espanhola, transfere-a para D. João
III, representado na pessoa do primeiro Governador Geral, Tomé de
Souza. A penúltima estrofe canta a preservação da liberdade do índio
e a responsabilidade do reino para com a divulgação da religião
cristã entre eles. Na última (epílogo), Diogo e Catarina, por
decreto real, recebem as honras da colônia lusitana. |