Amor
de perdição
Camilo
Castelo Branco
Na
introdução do romance, o narrador-autor reproduz o registro de
prisão de Simão Botelho nas cadeias da Relação do Porto e
antecipa o degredo do moço, aos 18 anos, em circunstância ligada a
uma paixão juvenil, bem como o desenlace trágico da história.
Falando diretamente ao leitor, imagina a reação que tal história
pode provocar: compaixão, choro, raiva, revolta frente à falsa
virtude alegada pelos homens em atos injustos e bárbaros.
Passa
então a contar a história da família de Simão Botelho. Principia
acompanhando a trajetória de seu pai, Domingos Botelho, que,
formado em Direito, inicia sua carreira em Lisboa, onde cai nas graças
dos reis. Na Corte, se apaixona por uma dama de D. Maria I, D. Rita
Castelo.
Após
dez anos de tentativas de aproximação e conquista, casam-se por
fim em 1779. Em 1801, estão fixados em Viseu, em companhia de suas
três filhas. Seus dois filhos estudam em Coimbra. Manuel, o mais
velho, muito reclama de seu irmão Simão, ao que o pai não dá
muitos ouvidos. Antes até se orgulha de sua valentia e dos
resultados acadêmicos de Simão. Mas quando Simão, em férias em
casa, se mete numa briga, em defesa de um criado que fora espancado,
seu pai enfurecido o quer ver preso. Sua mãe o ajuda na fuga para
Coimbra, onde aconselha que o filho aguarde aplacar a fúria do pai.
Simão,
no entanto, mais seguro de si e de sua coragem do que nunca, começa
a defender publicamente a Revolução Francesa e, por isso, acaba
retido em cárcere acadêmico por seis meses. Perdido o ano escolar,
retorna à casa dos seus pais. Domingos Botelho se mantém frio e
distante, não dirigindo a palavra ao filho.
Grande
e misteriosa transformação vai se operando em Simão, que muda
completamente seu comportamento: sai pouco, fica longamente no próprio
quarto, mantendo-se pensativo. Tal transformação faz com que,
findos cinco meses, o pai consinta que o filho lhe dirija à
palavra. Desconhece a esse momento Domingos Botelho a real razão da
mudança de seu filho: o rapaz nos seus 17 anos está apaixonado
pela filha do vizinho, um inimigo de seu pai. A inimizade tinha se
concretizado quando Domingos Botelho dera sentenças contrárias aos
interesses de Tadeu de Albuquerque e azedado mais um vez quando Simão
machuca empregados de Tadeu em recente briga.
Por
três meses, Simão e Teresa encontram-se e falam às escondidas,
sem levantar nenhuma suspeita. Sonham casar-se e fazem planos para
concretizar seus desejos de vida em comum.
Na
véspera do retorno de Simão à Coimbra, os enamorados falam-se
pela janela, quando subitamente Teresa é arrancada da frente de Simão.
É seu pai, reagindo fortemente ao flagrante. Simão se desespera,
tem febre, mas assim mesmo parte para Coimbra, com o plano de
retornar secretamente para se comunicar com Teresa. Momentos antes
de sair em viagem recebe da mão de uma mendiga um bilhete, em que
Teresa lhe revela as ameaças de seu pai de encerrá-la num
convento. Pede, no entanto, que Simão siga para Coimbra, garantindo
que se manterá em contato.
Rita,
a irmã caçula de Simão, e Teresa começam a travar uma amizade
secreta, com conversas sussurradas através das janelas. Numa destas
conversações são flagradas e Rita, ao ser pressionada pelo pai,
conta tudo o que sabe.
Tadeu
de Albuquerque percebe também o incidente, mas se mantém tranqüilo.
Não que tenha passado a ver com melhores olhos o namoro: tem para
consigo mesmo a convicção de que o melhor remédio para curar
aquela paixão é o silêncio e a distância. Planeja secretamente
casar a filha com um primo, Baltasar Coutinho. Chama logo o rapaz a
Viseu, conta seus planos e lhe incentiva a cortejar a filha. Teresa,
no entanto, se nega a Baltasar, que insiste em conhecer suas razões:
quer ouvir a confissão da prima sobre seu rival. Jura se pôr
contra àquela relação, substituindo o tio nesta função se
necessário.
Tadeu
reage fortemente à atitude de sua filha, sentindo-se ofendido no
seu direito de pai e decide mandá-la para o convento. Mas nada faz
de imediato. Teresa manda semanalmente cartas a Simão, mas lhe
esconde as principais ameaças, sobretudo o que escutou de seu primo
Baltasar, para evitar um confronto entre os dois. Seu pai, no
entanto, trama em segredo sua cerimônia de casamento com Baltasar.
Novamente, Teresa se nega. Desta vez, tudo relata a Simão. O rapaz
inicialmente tem ímpetos de se vingar, mas, para preservar a
possibilidade de felicidade dos dois, acaba por conter-se.
No
meio tempo, aluga um cavalo e, quando o arreeiro vem trazer-lhe a
montaria, pede-lhe indicação de um refúgio em Viseu. Fica
acertada uma hospedagem na casa do primo do arreeiro, o ferrador João
da Cruz. O arreeiro encaminha correspondência para Teresa. Ao
longe, Simão percebe que na casa de sua amada está acontecendo um
festa.
É
uma nova investida de Tadeu. Planeja agora propiciar convívio
social a Teresa, na esperança que assim ela deixe de teimar em amar
o único rapaz que conhece. O primo Baltasar se encontra entre os
convidados e observa todos os passos de Teresa. Percebe assim quando
Teresa sai da sala e se dirige ao fundo do quintal. A menina volta
logo, mas o primo continua a observá-la e, numa segunda escapada, a
segue até o jardim. Teresa percebe seu vulto e se assusta,
retornado a casa. Ao pai, Teresa alega que está sentindo dores. Mas
como o primo Baltasar não é encontrado na sala, Teresa se oferece
para ir procurá-lo lá fora. Aproveita a oportunidade para ir ao
encontro de Simão que a esperava junto ao muro e dizer que retorne
no dia seguinte. Baltasar, ainda escondido, denuncia sua presença a
Simão e o ameaça, sem contudo revelar sua identidade.
Trocam
os enamorados correspondência. Simão passa o dia na casa do
ferrador, que lhe revela se sentir a ele, unido por dever de gratidão:
o ferrador escapou há três anos da forca por intermédio do pai de
Simão. Coincidentemente, há mais tempo ainda, foi empregado de
Baltasar Coutinho, que lhe emprestou dinheiro para se estabelecer e,
há coisa de poucos meses, lhe chamou pedindo que matasse um homem:
o próprio Simão. O ferrador fora na ocasião contar tudo a
Domingos Botelho, que, reagindo muito, pôs-lhe a par de toda a
situação. O ferrador aconselha-o a tentar resolver a história por
alguma outra via, mas Simão insiste em ir ver Teresa à noite. O
ferrador então se prepara para acompanhá-lo.
Seguem
a Viseu Simão, o ferrador e o arreeiro. Baltasar Coutinho e dois
homens estão preparando uma tocaia. Ambos os grupos discutem suas
estratégias. Simão mal se avista com Teresa e o clima fica tão
tenso e perigoso, que o grupo planeja a retirada. No caminho,
encontram mesmo os homens de Baltasar; matam um e ferem o outro. Simão
tenta dissuadir João da Cruz a consumar o segundo assassinato, mas
o ferreiro não o escuta. Os crimes permanecem um mistério, sem
testemunhas e sem ninguém em condições de denunciá-los, já que
todos os envolvidos têm sua parcela de culpa e participação.
No
embate, Simão fora ferido e passa por temporada de recuperação na
casa do ferreiro. É cuidado por Mariana, de quem aos pouco descobre
o amor.
Enquanto
isso, Teresa é levada provisoriamente ao convento de Viseu,
enquanto não se completam os preparativos para sua transferência
para o convento de Monchique, no Porto. É introduzida de imediato
nas intrigas e vícios das freiras, seus namoros e vida sexual, o
consumo de bebida, as disputas pelo poder. Mas ainda assim encontra
o favor de uma das freiras, que se compromete a restabelecer sua
correspondência com Simão. À noite, quase no escuro, Teresa
escreve carta para Simão.
O
rapaz, ao receber a carta com notícias do convento, escreve
resposta e pede que o ferrador se encarregue de encaminhá-la. O
ferrador percebe que o rapaz está quase sem dinheiro e com a filha
inventa uma forma de resolver também este problema de Simão: dizem
que a mãe lhe enviou dinheiro_.
Prepara-se
a mudança de Teresa para Monchique e cresce a desesperança dos
amantes. Sonham com a fuga. Simão, ao saber que é eminente a ida
de Teresa para o Porto, fica transtornado e se prepara para tentar
raptá-la. Envia por Mariana uma carta, entregue em mãos a Teresa
no convento. Em resposta a Simão, Teresa manda dizer que de nada
adiantam os planos de fuga porque uma grande escolta a acompanha na
viagem, incluindo o primo Baltasar... Simão se aflige em especial
com este detalhe da notícia. Resolve assim mesmo ir ver Teresa à
saída do convento e João da Cruz se prontifica a acompanhá-lo,
com um grupo, para que possam proceder a um rapto. Simão não
aprova o plano, mas mantém em segredo a decisão de ir ver Teresa.
Noite
alta, Simão aguarda nas proximidades do convento. Às quatro e
meia, começa a movimentação da comitiva, formada por Tadeu de
Albuquerque, criados, Baltasar e suas irmãs. Tão logo saem todos,
Simão os intercepta. Agredido verbalmente por Baltasar, reage e,
quando o rival avança, responde com um tiro de pistola. Neste
momento, surge o ferrador que incita Simão fugir. Simão, no
entanto, se recusa.
O
meirinho-geral, vizinho do convento, chega rapidamente e lhe sugere
novamente a fuga, que novamente é recusada.
O
crime rapidamente chega ao conhecimento da família Botelho. As irmãs
choram, a mãe espera que o pai interceda favoravelmente ao filho,
mas Domingos Botelho é duro: espera que a lei se cumpra com rigor.
A situação de Simão é péssima: confessa tudo, sem nem alegar
legítima defesa. O pai se nega inclusive a lhe financiar o conforto
e as primeiras necessidades na cadeia e decide mudar com a família
de Viseu, para que ninguém se sinta coagido a facilitar a situação
de Simão.
Já
na cadeia, Simão recebe almoço mandado por sua mãe e acompanhado
de uma carta. Pelos dizeres da mãe, acaba por concluir que a ajuda
que recebera anteriormente não viera dela e passa a recusar
qualquer auxílio materno. Em seguida, recebe cuidados de Mariana,
que providencia mobília para a cela e o alimenta durante o período
de espera do julgamento. Simão é condenado à forca. Mariana, tão
logo sai a sentença, sofre de um ataque de loucura.
Amigos,
conhecidos, familiares e sobretudo sua mãe, Rita, pressionam seu
pai a interceder em seu favor, mas Domingos Botelho, residindo
afastado da família, resiste a fazê-lo. Até que um tio o põe
contra a parede. Domingos Botelho age, movido também pelo prazer em
se mostrar mais influente que Tadeu de Albuquerque. Consegue assim a
comutação da pena do filho para um degredo de dez anos na Índia.
Enquanto
isso, Teresa se encontra no convento de Monchique, no Porto.
Acompanhada de uma criada, Constança, e bem tratada pela sua tia,
prelada do convento. Consegue brecha para mandar carta a Simão,
onde manifesta que também se sente à espera da morte. Cai doente e
só apresenta alguma melhora ao receber notícia de que Simão será
transferido para o Porto. Temendo estarem os dois enamorados na
mesma cidade, Tadeu planeja mudar Teresa novamente para Viseu. A tia
prelada, usando para tanto das normas do convento, o impede de levar
a filha.
Na
cadeia da relação no Porto, Simão recebe a visita de João da
Cruz, que vem acompanhado da filha, já recuperada. Mariana quer
novamente servir a Simão. Também restabelece-se a possibilidade de
correspondência com Teresa.
João
da Cruz retorna a Viseu, deixando Mariana com Simão. Pouco depois
é morto em vingança de um antigo crime. Mariana então retorna a
Viseu e vende tudo o que seu pai lhe deixou, com a intenção de
estar livre para acompanhar Simão no seu degredo.
Uma
última decisão judicial ainda permitiria que Simão cumprisse sua
pena na prisão de Vila Real, mas este se recusa a aceitar tal mudança.
Prefere a liberdade de poder ver o céu e sentir o vento em país
estrangeiro do se manter em uma cela. Teresa ainda tenta mudar-lhe a
decisão, mas não consegue. Passam-se ainda alguns meses até que
em 17 de março de 1807 Simão da Botelho embarca para a Índia.
Mariana, sem maiores dificuldades, consegue um lugar a bordo.
Simultaneamente,
no convento, Teresa relê uma a uma as cartas de Simão, as enlaça
e entrega para Constança com o pedido de que sejam entregues a Simão.
Às nove da manhã sobe para o mirante, de onde é possível
assistir à partida dos navios _ . Simão pede a Mariana que lhe
mostre o convento e vê Teresa acenando. Lá mesmo no mirante,
Teresa morre. O capitão do navio conta a Simão detalhes da morte
de Teresa e promete a esse que, caso algo lhe aconteça, reconduzira
Mariana a Portugal.
Nesta
noite, Simão lê a derradeira carta de Teresa, que lhe chegou junto
ao maço de correspondências. Na manhã de 28 de março, morre em
alto-mar Simão Botelho, depois de sofrer durante nove dias febres e
delírio. No mesmo instante que os marujos arremessam o corpo de Simão
ao mar, Mariana se atira. |