O povo do Rio de
Janeiro conhecendo que os interesses das Nações reunidos em um
centro comum de idéias sobre o bem Público devem ser os primeiros
objetos da vigilância daqueles, que estão revestidos do caráter
de seus Representantes, e de mais convencido de que nas circunstâncias
atuais se constituiria responsável para com as gerações futuras,
se não manifestasse os seus sentimentos à vista da medonha
perspectiva que se oferece a seus olhos pela retirada de Sua Alteza
Real, se dirige com a última energia à presença de Vossa
Senhoria, como seu legítimo Representante, esperando que mereçam
toda a sua consideração os motivos, que neste se expõem, para se
suspender a execução do Decreto das Cortes sobre o regresso de Sua
Alteza Real para a antiga Sede da Monarquia Portuguesa.
O Povo sempre fiel
à causa comum da Nação, julga que não se desliza da sua marcha
representando os inconvenientes, que podem resultar de qualquer
providência expedida, quando ela encontre no local, em que deve ser
executada, obstáculos a esta idéia de prosperidade pública, que o
Soberano Congresso anunciou altamente à face da Europa, e que até
o presente tem sido motivo de nossa firme adesão aos princípios
Constitucionais. Na crise atual o regresso de Sua Alteza Real deve
ser considerado como uma providência inteiramente funesta aos
interesses Nacionais de ambos os Hemisférios. Não, não é a glória
de possuir um Príncipe da Dinastia Reinante, que obriga o Povo a
clamar pela sua residência no Brasil à vista do mesmo Decreto, que
o chama além do Atlântico: nós perderíamos com lágrimas de
Saudade esta glória, que acontecimentos imprevistos, e
misteriosamente combinados nos trouxeram, abrindo entre nós uma época,
que parecia não estar marcada pela providência nos nossos Fastos,
e ao mesmo tempo fazendo a emancipação do Brasil justamente na
idade, em que possuído da indisputável idéia de suas forças,
começava a erguer o colo para repelir o sistema Colonial; mas a
perda desta Augusta Posse é igualmente a perda da segurança, e da
prosperidade deste rico, e vastíssimo Continente; ainda avançamos
a dizer respeitosamente, que esta perda terá uma influência mui
imediata sobre os destinos da Monarquia em geral. Se os Políticos
da Europa maravilhados pela Resolução de Sua Majestade o Senhor
Dom João Vi em passar-se ao Brasil realizando o projeto, que os
Holandeses conceberam quando Luís IV trovejava às portas de
Amsterdam, que Filipe V tinha na idéia quando a fortuna o ameaçava
de entregar a Espanha ao seu rival, que o ilustre Pombal premeditava
quando o Trono da Monarquia parecia ir descer aos abismos abertos
pelo terremotos, que Cados IV já mui tarde desejou realizar; sim se
os Políticos disseram que o Navio que trouxe ao Brasil o Senhor D.
João Vi alcançaria entre os antigos Gregos maiores honras do que
esse, que levou Jason e os Argonautas a Colcos, o Povo do Rio de
Janeiro julga que o Navio que reconduzir Sua Alteza Real aparecerá
sobre o Tejo com o Pavilhão da Independência do Brasil.
Talvez que Sua
majestade Criando o Senhor D. Pedro, Príncipe Regente do Brasil
tivesse diante dos olhos estas linhas traçadas pelo célebre Mr.
Du-Pradt "Si le passage du Roi n'avait eu lieu, le Portugal
perdait le Brésil de deux maniéres, 1. par l'attaque qú eu
auraiente fait les Angiais sous pretexte de guerre avec le Portugal
soumis aux Français; 2. par I'Independance dans Ia quelle ce grand
Pays separe de Ia Métropole par la guerre ne paurait manquer de
tomber, comme ont fait les Colonies Espagnoles, et para la même
raison, et avec le même succés. Aussi est il bien evident que si
jamais le Souverain établi au Brésil repasse en Portugal il
laisserá derriére lui I'Independance établie dans les comptoirs
de Rio de Janeiro." - Se a passagem do Rei se não verificasse,
Portugal perdia o Brasil por dois modos, primeiro por ataque que
fariam os Ingleses com o pretexto de guerra com Portugal submetido
aos Franceses; segundo pela independência, que infalivelmente este
grande País separado da Metrópole pela guerra proclamaria, como
fizeram as Américas Espanholas com a mesma razão, e com o mesmo
sucesso. É logo bem evidente que se algum dia o Soberano
estabelecido no Brasil voltar para Portugal, deixará após de Si a
Independência firmada em todas as feitorias do Rio de Janeiro.
Conhece-se qual é o estado de oscilação, e de divergência, em
que estão todas as Províncias do Brasil; o único centro para onde
parece que se encaminham suas vistas, e suas esperanças é a
Constituição, e a primeira vantagem, que se espera deste plano
regenerador é a conservação inalienável das atribuições, de
que se acha de posse esta antiga Colônia transformada em Monarquia;
menos para autorizar a residência do Augusto Chefe da Nação, do
que pelo grande peso, que o seu Comércio de exportação lhe dava
na balança mercantil da Europa, pelas suas diferentes relações
com os diversos Povos desse antigo Hemisfério, e pelo progressivo
desenvolvimento de suas forças físicas, e morais.
O Brasil
conservado na sua Categoria, nunca perderá de vista as idéias de
seu respeito para com a sua ilustre, e antiga Metrópole, nunca se
lembrará de romper esta cadeia de amizade, e de honra, que deve
ligar os dois Continentes através da mesma extenção dos mares que
o separam; e a Europa verá com espanto, que se o espaço de duas
mil léguas, foi julgado mui logo para conservar em vigor os laços
do Reino Unido, sendo o fiador desta união um frágil lenho, batido
pelas ondas, e exposto às contingências da Navegação; este mesmo
espaço nunca será capaz de afrouxar os vínculos de nossa aliança,
nem impedirá que o Brasil vá ao longe com mais alegria, com a mão
mais cheia de riquezas, do que ia dantes, engrossar a grande artéria
da Nação.
O Povo do Rio de
Janeiro conhecendo bem, que estes são os sentimentos de seus co-irmãos
Brasileiros protesta à face das Nações pelo desejo que tem de ver
realizada esta união tão necessária, e tão indispensável para
consolidar as bases da prosperidade Nacional: entretanto o mais
Augusto penhor da infalibilidade destes sentimentos é a Pessoa do
Príncipe real no Brasil, porque nele reside a grande idéia de toda
aptidão para o desempenho destes planos, como o primeiro vingador
do sistema Constitucional. As Províncias do Brasil aparecendo nas
pessoas dos seus Deputados em roda do Trono do Príncipe Regente
formaram uma liga de interesses comuns, dirigindo sempre a marcha
das suas providências segundo a perspectiva das circunstâncias,
sendo um dos seus objetos de empenho estreitar mais e mais os vínculos
de nossa Fraternidade Nacional.
Se o motivo que as
Cortes apresentaram para fazerem regressar Sua Alteza Real é a
necessidade de instrução de economia Política, que o Mesmo Senhor
deve adquirir viajando pelas Cortes da Europa assinadas no Decreto,
o Povo julga que se faz mais necessário para a futura glória do
Brasil, que Sua Alteza Real visite o interior deste vastíssimo
Continente desconhecido na Europa Portuguesa, e por desgraça nossa
examinado, conhecido, descrito, despojado pelas Nações
Estranjeiras, em cujas Cartas, como ultimamente na de Mr. La Pie, nós
com vergonha vamos procurar as Latitudes, e as Longitudes das Províncias
centrais, a direção dos seus grandes rios, e a sua posição geográfica,
os justos limites, que as separam umas das outras, e até conhecer a
sua capacidade para as riquezas de agricultura pela influência das
diversas superfícies, que elas oferecem.
Portugal
considerando o Brasil como um País, que só lhe era útil pela
exportação do ouro, e de outros gêneros com que ele paga o que
importam os Estrangeiros, esquecendo-se que esta mesma exportação
era resultado mais das forças Físicas do Brasil, do que de estímulo
das Artes de indústria comprimidas pelo mortífero sistema
Colonial, e abandonadas a uma cega rotina não se dignou em tempo
algum entrar no exame deste Continente, nunca lançou os olhos sobre
o seu termômetro político, e moral, para conhecer a altura em que
estava a opinião pública, e bem mostra agora pela indiferença com
que se anuncia a seu respeito: é portanto de primeira necessidade
que o Príncipe Regente dê este passo tão vantajoso para maior
desenvolvimento da vida moral, e física do Brasil.
As Cortes da
Europa hoje decaídas daquele esplendor, que elas apresentavam em
outras épocas ainda conservam grandes Sábios, famosos políticos,
porém estas classes se consideram mudas, e paralisadas pelas
diversas facções, que as combatem com uma prepotência
irresistivel: Sua Alteza Real não encontrará hoje nelas mais do
que intrigas diplomáticas, mistérios cabalísticos, pretensões,
ideais, projetos efêmeros, partidos ameaçadores, a moral pública
por toda a parte corrompida, os Liceus das Artes, e das Ciências na
mais miserável prostituição, uma política cega concebendo, e
abortando, em uma palavra Sua Alteza Real achará em toda a Europa
vestígios desse vulcão, que rebentando ao Meio Dia levou estragos
além das Ilhas, e dos Mares. Não, não foi em crises tão fatais,
que viajaram o Imortal Criador do império da Rússia Pedro
Primeiro, e o grande filho de Maria Tereza José Segundo, assim como
outros Príncipes, que voltaram aos seus Estados enriquecidos de
conhecimentos, que fizeram a prosperidade de suas Monarquias. Depois
que o interesse passou a ser, como diz o Abade Condillac, a mola
Real dos Gabinetes da Europa, a Política começou a esconder sua
marcha, e quase sempre as idéias ostensivas são inteiramente
diversas daquelas, que aparecem nos planos das negociações. É bem
de esperar que o Príncipe Herdeiro de uma Monarquia olhada hoje com
ciúme pelas Nações Estrangeiras não seja admitido a comunicação
dos seus mistérios Eleusinos, que veja as novas Tiros, e Cartagos só
pela perspectiva de sua economia pública, e que se faça todo o
empenho para desviar da conhecida agudeza de seu Engenho a Carta dos
interesses Ministeriais.
Nas províncias do
Brasil Sua Alteza Real achará um Povo, que o adora, e que suspira
pela sua presença: nas mais polidas encontrará homens de talentos,
bem dignos de serem admitidos ao seu Conselho, em outras achará a
experiência dos velhos, que o Discípulo de Xenofonte encontrou nas
bocas do Nilo; conhecerá de perto as forças locais deste imenso País,
em cujo seio ainda virgem, como diz o célebre Mr. de Sismondi se
podem perfilhar as plantações, que nutrem o orgulho das margens do
Indo, do Ganges, da antiga Taprobana, e que obrigam o altivo
Adamastor a se embravecer tantas vezes contra os Europeus. Os Povos
experimentaram estes estímulos de estusiasmo, e de brio, que
inspira a presença criadora de um Príncipe; sobre todas as
vantagens enfim; Sua alteza Real terá uma que não é pequena,
conhecer por Si mesmo a herança de Sua Soberania, e não pelas
informações dos Governadores, que tudo acham inculto, atrasado,
com obstáculos dificultosos, ou invencíveis para se desculparem
assim de sua inação, ou para depois mostrarem em grande mapa
colorido o pouco que fizeram, deixando entre as sombras as concussões
violentíssimas, que sofreram as vítimas de seu despotismo. Tal é
a idéia que o nosso insigne Vieira oferece em suas Cartas quando
analisa a conduta destes Régulos de bastão e ferro, praga tão
funesta ao Brasil, ou ainda mais, do que o mesmo sistema Colonial.
Sendo pois esta
viagem de tão grandes consequências para o progressivo
melhoramento do Brasil, fica demonstrada a sua importância, e sua
necessidade; os conhecimentos adquiridos por Sua Alteza Real sendo
confrontados com os votos daqueles, que possuem a verdadeira estatística
do Brasil servirão muito para organizarem o plano do regime que
deve animar a sua vida física, e moral.
Há uma distância
mui considerável entre o Meio Dia da Europa, e o Meio Dia da América;
a Natureza humana aqui experimenta uma mudança sensível, um novo Céu,
e por isso mesmo uma nova influência sobre o caráter de seus indivíduos;
é impossível que Povos classificados em oposição física se
possam reunir debaixo do mesmo sistema de governo; a Industria, a
Agricultura, as Artes em geral exigem no Brasil uma Legislação
particular, e as bases deste novo Código devem ser esboçadas sobre
os locais, onde depois hão de ir ter sua execução. Se o Brasil
agrilhoado em sua infância, e com mui
poucas homenagens na sua mocidade avançou rapidamente através das
mesmas barreiras, que tolhiam sua marcha, quanto não avançará
depois de ser visitado, e perfeitamente conhecido pelo Príncipe
Herdeiro da Monarquia, que na sua passagem verá a justiça que se
lhe fez tirando-se-lhe as argolas Coloniais, e dando-se-lhe o
Diadema? O Povo do Rio de Janeiro tendo em vista o desempenho deste
projeto verdadeiramente filantrópico, e conhecendo que Sua Alteza
Real anuncia o mais energético entusiasmo em realizá-lo com grande
vantagem da Nação em geral, não pode portanto convir no seu
regresso, e julgando que tem dito quanto basta para que V.S. faça
ver a Sua Alteza Real a delicadeza com que o Mesmo Senhor se deverá
haver nas circunstância já ameaçadoras no horizonte político do
Brasil, espera ser atendido na sua representação, de cujas consequências
(não o sendo) o mesmo Povo declara V.S. responsável-, igualmente
espera que o Soberano Congresso a receba, e a considere como um
manifesto da vontade de in-nãos Interessados na prosperidade geral
da Nação, no renovo de sua mocidade, e de sua glória, que sem dúvida
não chegará ao Zenith, a que espera subir se não estabelecer uma
só medida para os interesses recíprocos dos dois Hemisférios,
atendendo sempre às diversas posições locais de um, e outro.
Sendo portanto de esperar, que todas as Províncias do Brasil se
reunam neste centro de idéias, logo que se espalhe a lisonjeira notícia
de que se não verificou o regresso de Sua Alteza Real, o Povo
encarrega a V.S. de fazer ver ao mesmo Senhor a absoluta necessidade
de ficarem por agora suspensos os dois decretos 124, e 125 das
Cortes, porque não se pode presumir das públicas intenções do
Soberano Congresso, que deixe de aceder a motivos tão justos, e de
tão grandes relações com o bem geral da Nação. Rio de Janeiro,
em 29 de dezembro de 1821.
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