A NAÇÃO
O
homem de Estado, quando as circunstâncias impõem uma decisão
excepcional, de amplas repercussões e profundos efeitos
na vida do país, acima das deliberações ordinárias da atividade
governamental, não pode fugir ao dever de tomá-la, assumindo,
perante a sua conciência e a conciência dos seus concidadãos, as
responsabilidades inerentes à alta função que lhe foi delegada
pela confiança nacional.
A investidura na
suprema direção dos negócios públicos não envolve, apenas, a
obrigação de cuidar e prover as necessidades imediatas e comuns da
administração. As exigências do momento histórico e as solicitações
do interesse coletivo reclamam, por vezes, imperiosamente, a adoção
de medidas que afetam os pressupostos e convenções do regime, os
próprios quadros institucionais, os processos e métodos de govêrno.
Por certo, essa
situação especialíssima só se caracteriza sob aspectos graves
decisivos nos períodos de profunda perturbação política, econômica
e social. A contingência de tal ordem chegamos, infelizmente, como
resultante de acontecimentos conhecidos, estranhos à ação
governamental, que não os provocou nem dispunha de meios adequados
para evitá-los ou remover-lhes as funestas conseqüências.
Oriundo de um
movimento revolucionário de amplitude nacional e mantido pelo poder
constituinte da Nação, o Govêrno continuou, no período legal, a
tarefa encetada de restauração economica e financeira e, fiei às
convenções do regime, procurou crear, pelo alheiamente às competições
partidárias, uma atmosfera de serenidade e confiança, propícia ao
desenvolvimento das instituições democráticas.
Enquanto assim
procedia, na esfera estritamente política, aperfeiçoava a obra de
justiça social a que se votara desde o seu advento, pondo em prática
um programa isento de perturbações e capaz de atender às justas
reivindicações das classes trabalhadoras, de preferência as
concernentes às garantias elementares de estabilidade e segurança
econômica, sem as quais não pode o indivíduo tornar-se útil à
coletividade e compartilhar dos benefícios da civilização.
Contrastando com
as diretrizes governamentais, inspiradas sempre no sentido
construtivo e propulsor das atividades gerais, os quadros políticos
permaneciam adstritos aos simples processos de aliciamento
eleitoral.
Tanto os velhos
partidos, como os novos em que os velhos se transformaram sob novos
rótulos, nada exprimiam ideologicamente, mantendo-se à sombra de
ambições pessoais ou de predomínios localistas, a serviço de
grupos empenhados na partilha dos despojos e nas combinações
oportunistas em torno de objetivos subalternos.
A verdadeira função
dos partidos políticos, que consiste em dar expressão e reduzir a
princípios de govêrno as aspirações e necessidades coletivas,
orientando e disciplinando as correntes de opinião, essa, de há
muito, não a exercem os nossos agrupamentos partidários
tradicionais. O fato é sobremodo sintomático se lembrarmos que da
sua atividade depende o bom funcionamento de todo sistema baseado na
livre concorrência de opiniões e interesses.
Para comprovar a
pobreza e desorganização da nossa vida política, nos moldes em
que se vem processando, aí está o problema de sucessão
presidencial, transformado em irrisória competição de grupos,
obrigados a operar pelo subôrno e pelas promessas demagógicas,
diante de completo desinteresse e total indiferença das fôrças
vivas da Nação. Chefes de govêrnos locais, capitaneando
desassossegos e oportunismos, transformaram-se, de um dia para
outro, à revelia da vontade popular, em centros de decisão política,
cada qual decretando uma candidatura, como se a vida do país, na
sua significação coletiva, fõsse simples convencionalismo,
destinado a legitimar as ambições do caudilhismo provinciano.
Nos períodos de
crise, como o que atravessamos, a democracia de partidos, em lugar
de oferecer segura oportunidade de crescimento e progresso, dentro
das garantias essenciais à vida e à condição humana, subverte a
hierarquia, ameaça a unidade pátria e põe em perigo a existência
da Nação, extremando as competições e acendendo o facho da discórdia
civil.
Acresce, ainda,
notar que, alarmados pela atoarda dos agitadores profissionais e
diante da complexidade da luta política, os homens que não vivem
dela mas do seu trabalho deixam os partidos entregues aos que vivem
deles, abstendo-se de participar da vida pública, que só poderia
beneficiar-se com a intervenção dos elementos de ordem e de ação
construtora.
O sufrágio
universal passa, assim, a ser instrumento dos mais audazes e máscara
que mal dissimula o conluio dos apetites pessoais e de corrilhos.
Resulta daí não ser a economia nacional organizada que influe ou
prepondera nas decisões governamentais, mas as fôrças econômicas
de caráter privado, insinuadas no poder e dele se servindo em prejuízo
dos legítimos interesses da comunidade.
Quando os partidos
tinham objetivos de caráter meramente político, com a extensão de
franquias constitucionais e reivindicações semelhantes, as suas
agitações ainda podiam processar-se à superfície da vida social,
sem perturbar as atividades do trabalho e da produção. Hoje, porém,
quando a influência e o controle do Estado sôbre a economia tendem
a crescer, a competição política tem por objetivo o domínio das
fôrças econômicas, e a perspectiva da luta civil, que espia, a
todo momento, os regimes dependentes das flutuações partidárias,
é substituída pela perspectiva incomparavelmente mais sombria da
luta de classes.
Em tais circunstâncias,
a capacidade de resistência do regime desaparece e a disputa pacífica
das urnas é transportada para o campo da turbulência agressiva e
dos choques armados.
É dessa situação
perigosa que nos vamos aproximando. A inércia do quadro político
tradicional e a degenerescência dos partidos em clans facciosos são
fatores que levam, necessariamente, a armar o problema político, não
em termos democráticos, mas em termos de violência e de guerra
social. Os preparativos eleitorais foram substituídos, em alguns
Estados, pelos preparativos militares, agravando os prejuízos que já
vinha sofrendo a Nação, em consequência da incerteza e
instabilidade creadas pela agitação facciosa. O caudilhismo
regional, dissimulado sôb aparências de organização partidária,
arma-se para impor à Nação as suas decisões, constituindose,
assim, em ameaça ostensiva à unidade nacional. Por outro lado, as
novas formações partidárias surgidas em todo o mundo, por sua própria
natureza refratárias aos processos democráticos, oferecem perigo
imediato para as instituições, exigindo, de maneira urgente e
proporcional à virulência dos antagonismo, o refôrço do poder
central. Isto mesmo já se evidenciou por ocasião do golpe
extremista de 1935, quando o Poder Legislativo foi compelido a
emendar a Constituição e a instituir o estado de guerra, que,
depois de vigorar mais de um ano, teve de ser restabelecido por
solicitação das fôrças armadas, em virtude do recrudescimento do
surto comunista, favorecido pelo ambiente turvo dos comícios e da
caça ao eleitorado.
A consciência das
nossas responsabilidades indicava, imperativamente, o dever de
restaurar a autoridade nacional, pondo termo a essa condição anômala
da nossa existência política, que poderá conduzir-nos à
desintegração, como resultado final dos choques de tendências
inconciliáveis e do predomínio dos particularismos de ordem local.
Colocada entre as
ameaças caudilhescas e o perigo das formações partidárias
sistematicamente agressivas, a Nação, embora tenha por si o
patriotismo da maioria absoluta dos brasileiros e o amparo decisivo
e vigilante das fôrças armadas, não dispõe de meios defensivos
eficazes dentro dos quadros legais, vendo-se obrigada a lançar mão,
de modo normal, das medidas excepcionais que caracterizam o estado
de risco iminente da soberania nacional e da agressão externa. Essa
é a verdade, que precisa ser proclamada, acima de temores e subterfúgios.
A organização
constitucional de 1934, vazada nos moldes clássicos do liberalismo
e do sistema representativo, evidenciara falhas lamentáveis, sob
esse e outros aspectos. A Constituição estava, evidentemente,
antedatada em relação ao espírito do tempo. Destinava-se a uma
realidade que deixara de existir. Conformada em princípios cuja
validade não resistira ao abalo da crise mundial, expunha as
instituições por ela mesma criadas à investida dos seus inimigos,
com a agravante de enfraquecer e anemizar o poder público.
O aparelhamento
governamental instituído não se ajustava às exigências da vida
nacional; antes, dificultava-lhe a expansão e inibia-lhe os
movimentos. Na distribuição das atribuições legais, não se
colocara, como se devera fazer, em primeiro plano, o interesse
geral; aluíram-se as responsabilidades entre os diversos poderes,
de tal sorte que o rendimento do aparêlho do Estado ficou reduzido
ao mínimo e a sua eficiência sofreu danos irreparáveis,
continuamente expostos à influência dos interesses personalistas e
das composições políticas eventuais.
Não obstante o
esfôrço feito para evitar os incovenientes das assembléias
exclusivamente políticas, o Poder Legislativo, no regime da
Constituição de 1934, mostrou-se irremediavelmente, inoperante.
Transformada a
Assembléia Nacional Constituinte em Câmara de Deputados, para
elaborar, nos precisos termos do dispositivo constitucional, as leis
complementares constantes da Mensagem do Chefe do Govêrno Provisório,
de 10 de abril de 1934, não se conseguira, até agora, que qualquer
delas fosse ultimada, mau grado o funcionamento quási ininterrupto
das respectivas sessões. Nas suas pastas e comissões se encontram,
aguardando deliberação, numerosas iniciativas de inadiável
necessidade nacional, como sejam: o Código Penal, o Código do Ar,
o Código das Águas, o Código de Minas, o Código Penal, o Código
do Processo, os projectos da Justiça do Trabalho, da creação dos
Institutos do Mate e do Trigo, etc. ete.. Não deixaram, entretanto,
de ter andamento e aprovação as medidas destinadas a favorecer
interesses particulares, algumas, evidentemente, contrárias aos
interesses nacionais e que, por isso mesmo, receberam veto do Poder
Executivo.
Por seu turno, o
Senado Federal permanecia no período de definição das suas
atribuições, que constituíam motivo de controvérsia e de
contestação entre as duas casas legislativas.
A fase parlamentar
da obra governamental se processava, antes como um obstáculo do que
como uma colaboração digna de ser conservada nos termos em que a
estabelecera a Constituição de 1934.
Função elementar
e, ao mesmo tempo, fundamental, a própria elaboração orçamentária
nunca se ultimou nos prazos regimentais, com o cuidado que era de
exigir. Todos os esforços realizados pelo Govêrno no sentido de
estabelecer o equilíbrio orçamentário se tornavam inúteis, desde
que os representantes da Nação agravavam sempre o montante das
despesas, muitas vezes, em benefício de iniciativas ou de
interesses que nada tinham a ver com o interesse público.
Constitúi ato de
estrita justiça consignar que em ambas as casas do Poder
Legislativo existiam homens cultos, devotados e patriotas, capazes
de prestar esclarecido concurso às mais delicadas funções públicas,
tendo, entretanto, os seus esforços invalidados pelos próprios
defeitos de estrutura do órgão a que não conseguiam emprestar as
suas altas qualidades pessoais.
A manutenção dêsse
aparelho inadequado e dispendioso era de todo desaconselhável.
Conservá-lo seria, evidentemente, obra de espírito acomodatício e
displicente, mais interessado pelas acomodações da clientela política
do que pelo sentimento das responsabilidades assumidas. Outros, por
certo, prefeririam transferir aos ombros do Legislativo os onus e
dificuldades que o Executivo terá de enfrentar para resolver
diversos problemas de grande relevância e de graves repercussões,
visto afetarem poderosos interesses organizados, interna e
externamente. Compreende-se, desde logo, que me refiro, entre
outros, aos da produção cafeeira e regularização da nossa dívida
externa.
O Govêrno atual
herdou os erros acumulados em cêrca de vinte anos de artificialismo
econômico, que produziram o efeito catastrófico de reter stocks e
valorizar o café, dando em resultado o surto da produção noutros
países, apesar dos esforços empreendidos para equilibrar, por meio
de quotas, a produção e o consumo mundial da nossa mercadoria básica.
Procurando neutralizar a situação calamitosa encontrada em 1930,
iniciamos uma política de descongestionamento, salvando da ruína a
lavoura cafeeira e encaminhando os negócios de modo que fosse possível
restituir, sem abalos, o mercado do café às suas condições
normais. Para atingir êsse objetivo, cumpria aliviar a mercadoria
dos pesados onus que a encareciam, o que será feito sem perda de
tempo, resolvendo-se o problema da concorrência no mercado mundial
e marchando decisivamente para a liberdade de comércio do produto.
No concernente à
dívida externa, o serviço de amortização e juros constitui questão
vital para a nossa economia. Enquanto foi possível o sacrifício da
exportação de ouro, afim de satisfazer as prestações
estabelecidas, o Brasil não se recusou a fazê-lo. É claro, porém,
que os pagamentos, no exterior, só pódem ser realizados com o
estado da balança comercial, Sob a aparência de moéda, que vela e
disfarça a natureza do fenômeno de base nas relações economicas,
o que existe, em última análise, é a permuta de produtos. A
transferência de valores destinados a atender a êsses compromissos
pressupõe, naturalmente, um movimento de mercadorias do país
devedor para os seus clientes no exterior, em volume suficiente para
cobrir as responsabilidades contraídas. Nas circunstâncias atuais,
dados os fatores que tendem a crear restrições à livre circulação
das riquezas no mercado mundial, a aplicação de recursos em condições
de compensar a diferença entre as nossas disponibilidades e as
nossas obrigações só pode ser feita mediante o endividamento
crescente do país e a debilitação da sua economia interna.
Não é demais
repetir que os sistemas de quotas, contingentamentos e compensações,
limitando, dia a dia, o movimento e volume das trocas
internacionais, têm exigido, mesmo nos países de maior rendimento
agrícola e industrial, a revisão das obrigações externas. A
situação impõe, no momento, a suspensão do pagamento de juros e
amortizações, até que seja possível reajustar os compromissos
sem dessangrar e empobrecer o nosso organismo econômico. Não
podemos por mais tempo continuar a solver dívidas antigas pelo
processo ruinoso de contrair outras mais vultosas, o que nos
levaria, dentro de pouco, à dura contingência de adotar solução
mais radical. Para fazer face às responsabilidades decorrentes dos
nossos compromissos externos, lançamos sôbre a produção nacional
o pesado tributo que consiste no confisco cambial, expresso na
cobrança de uma taxa oficial de 35%, redundando, em última análise,
em reduzir de igual percentagem os preços, já tão aviltados, das
mercadorias de exportação. É imperioso pôr um termo a êsse
confisco, restituindo o comércio de câmbio às suas condições
normais. As nossas disponibilidades no estrangeiro, absorvidas, na
sua totalidade, pelo serviço da dívida e não bastando, ainda
assim, às exigências, dão em resultado nada nos sobrar para a
renovação do aparelhamento econômico, do qual depende todo o
progresso nacional.
Precisamos equipar
as vias férreas do país, de modo a oferecerem transporte econômico
aos produtos das diversas regiões, bem como construir novos traçados
e abrir rodovias, prosseguindo na execução do nosso plano de
comunicações, particularmente no que se refere à penetração do
hinteriand e articulação dos centros de consumo interno com os
escoadouros de exportação. Por outro lado, essas realizações
exigem que se instale a grande siderurgia, aproveitando a abundância
de minéreo, num vasto plano de colaboração do Govêrno com os
capitais estrangeiros que pretendam emprêgo remunerativo, e
fundando, de maneira definitiva, as nossas indústrias de base, em
cuja dependência se acha o magno problema da defêsa nacional.
É necessidade
inadiável, também, dotar as fôrças armadas de aparelhamento
eficiente, que as habilite a assegurar a integridade e a independência
do país, permitindo-lhe cooperar com as demais nações do
Continente na obra de preservação da paz.
Para reajustar o
orgânismo político às necessidades econômicas do país e
garantir as medidas apontadas, não se oferecia outra alternativa além
da que foi tomada, instaurando-se um regime forte, de paz, de justiça
e de trabalho. Quando os meios de govêrno (3) não correspondem
mais às condições de existência de um povo, não há outra solução
senão mudá-los, estabelecendo outros moldes de ação.
A Constituição
(4) hoje promulgada creou uma nova estrutura legal, sem alterar o
que se considera substancial nos sistemas de opinião: manteve a
forma democrática, o processo representativo e a autonomia dos
Estados, dentro das linhas tradicionais da federação orgânica.
Circunstâncias de
diversas natureza apressaram o desfêcho déste movimento, que
constitui manifestação de vitalidade das energias nacionais
extra-partidárias. O povo o estimulou e acolheu com inequívocas
demonstrações de regozijo, impacientado e saturado pelos lances
entristecedores da política profissional; o Exército e a Marinha o
reclamaram como imperativo da ordem e da segurança nacional.
Ainda ontem,
culminando nos propósitos demagógicos, um dos candidatos
presidenciais mandava ler da tribuna da Câmara dos Deputados
documento francamente sedicioso e o fazia distribuir nos quartéis
das corporações militares, que, num movimento de saudável reação
às incursões facciosas, souberam repelir tão aleivosa exploração,
discernindo, com admirável clareza, de que lado estavam, no
momento, os legítimos reclamos da conciência brasileira.
Tenho suficiente
experiência das asperezas do poder para deixar-me seduzir pelas
suas exterioridades e satisfações de caráter pessoal. Jamais
concordaria, por isso, em permanecer à frente dos negócios públicos
se tivesse de ceder quotidianamente às mesquinhas injunções
daacomodação política, sem acerteza de podertrabalhar, com real
proveito, pelo maior bem da coletividade.
Prestigiado pela
confiança das fôrças armadas e correspondendo aos generalizados
apelos dos meus concidadãos, só acedí em sacrificar o justo
repouso a que tinha direito, ocupando a posição em que me
encontro, com o firme propósito de continuar servindo à Nação.
As decepções que
o regime derrotado trouxe ao país não se limitaram ao campo moral
e político.
A economia
nacional, que pretendera participar das responsabilidades do Govêrno,
foi também frustrada nas suas justas aspirações. cumpre
restabelecer, por meio adequado, a eficácia da sua intervenção e
colaboração na vida do Estado, Ao envés de pertencer a uma
assembléia política, em que é óbvio, não se encontram os
elementos essenciais às suas atividades, a representação
profissional deve constituir um órgão de cooperação na esfera do
poder público, em condições de influir na propulsão das fôrças
econômicas e de resolver o problema do equilíbrio entre o capital
e o trabalho.
Considerando de
frente e acima dos formalismos jurídicos a lição dos
acontecimentos, chega-se a uma conclusão iniludível, a respeito da
gênese política das nossas instituições: elas não
corresponderam, desde 1889, aos fins para que se destinavam.
Um regime que,
dentro dos ciclos prefixados de quatro anos, quando se apresentava o
problema sucessório presidencial, sofria tremendos abalos,
verdadeiros traumatismos mortais, dada a inexistência de partidos
nacionais e de princípios doutrinários que exprimissem as aspirações
coletivas, certamente não valia o que representava e operava,
apenas, em sentido negativo.
Numa atmosfera
privada de espírito público, como essa em que temos vivido, onde
as instituições se reduziam às aparências e aos formalismos, não
era possível realizar reformas radicais sem a preparação prévia
dos diversos fatores da vida social.
Torna-se impossível
estabelecer normas sérias e sistematização eficiente à educação,
à defesa e aos próprios empreendimentos de ordem material, se o
espírito que rege a política geral não estiver conformado em
princípios que se ajustem às realidades nacionais. Se queremos
reformar, façamos, desde logo, a reforma política.
Todas as outras
serão consectárias desta, e sem ela não passarão de
inconsistentes documentos de teoria política. Passando do Govêrno
propriamente dito ao processo da sua constituição, verificava-se,
ainda, que os meios não correspondiam aos fins. A fase culminante
do processo político sempre foi da escolha de candidato à Presidência
da República. Não existia mecanismo constitucional prescrito a êsse
processo. Como a função de escolher pertencia aos partidos e como
êstes se achavam reduzidos a uma expressão puramente nominal,
encontravamo-nos em face de uma solução impossível, por falta de
instrumento adequado. Daí, as crises periódicas do regime, pondo,
quadrienalmente, em perigo a segurança das instituições. Era
indispensável preencher a lacuna, incluindo na própria Constituição
o processo de escolha dos candidatos à suprema investidura, de
maneira a não se reproduzir o espetáculo de um corpo político
desorganizado e perplexo, que não sabe, sequer, por onde começar o
ato em virtude do qual se define e afirma o fato mesmo da sua existência.
A campanha
presidencial, de que tivemos, apenas, um tímido ensaio, não podia,
assim, encontrar, como efetivamente não encontrou, repercussão no
país. Pelo seu silêncio, a sua indiferença, o seu desinteresse, a
Nação pronunciou julgamento irrecorrível sôbre os artifícios e
as manobras a que se habituou a assistir periodicamente, sem
qualquer modificação no quadro governamental que se seguia às
contendas eleitorais. Todos sentem, de maneira profunda, que o
problema de organização do Govêrno deve processar-se em plano
diferente e que a sua solução transcede os mesquinhos quadros
partidários, improvisados nas vésperas dos pleitos, com o único
fim de servir de bandeira a interesses transitoriamente agrupados
para a conquista do poder.
A gravidade da
situação que acabo de escrever em rápidos traços está na conciência
de todos os brasileiros. Era necessário e urgente optar pela
continuação dêsse estado de coisas ou pela continuação do
Brasil. Entre a existência nacional e a situação de caos, de
irresponsabilidade e desordem em que nos encontrávamos, não podia
haver meio termo ou contemporização.
Quando as competições
políticas ameaçam degenerar em guerra civil, é sinal de que o
regime constitucional perdeu o seu valor prático, subsistindo,
apenas, como abstração. A tanto havia chegado o país. A
complicada máquina de que dispunha para governar-se não
funcionava. Não existiam órgãos apropriados através dos quais
pudesse exprimir os pronunciamentos da sua inteligência e os
decretos da sua vontade.
Restauremos
a Nação na sua autoridade e liberdade de ação: - na sua
autoridade, dando-lhe os instrumentos de poder real e efetivo com
que possa sobrepôr-se às influencias desagregadoras, internas ou
esternas; na sua liberdade, abrindo o plenário do julgamento
nacional sôbre os meios e os fins do Govêrno de e deixando-a
construir livremente a sua história e o seu destino.
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