"Compatriotas. O
amor à ordem e à liberdade, a que me consagrei desde minha
infancia, me arrancaram do gozo do prazer da vida privada para
correr convosco à salvação de nossa querida pátria. Vi a
arbitrariedade entronizada, e não pude ver por mais tempo surdo a
vossos clamores; pedistes a cooperação do meu braço, e dos braços
que me acompanham, e voei à capital afim de ajudar-vos a sacudir o
jugo que com a mão de um inepto administrador vos tinha imposto uma
fracção retrograda e anti-nacional.
Compatriotas!
vossos votos justas exigências já estão satisfeitas. Caducou
aquela autoridade cujo manto cobria os atentados de homens
perversos, que têm conduzido esta benemérita província à borda
do precipício. Corresteis às armas depois de haver esgotado todos
os meios que a prudência e o amor à ordem vos sugeria, não para
destruir, mas sim para consolidar a sagrada Constituição que
juramos; não para vingar-vos dos ultrajes que diariamente vos
faziam os corifeus de um partido anti-nacional, mas sim para
garantir as liberdades pátrias de seus ataques, tanto mais terríveis,
por isso que eram exercidos à sombra da Carta Constitucional;
corresses emfim às armas para sustentar em sua pureza os princípios
políticos, que nos conduziram ao sempre memoravel sete d'abril, dia
glorioso de nossa regeneração, e total independência.
O resultado de
vossa nobre empresa não podia ser duvidoso, pois que ela era
reclamada pela justiça, e pela opinião, esta rainha do universo,
cujo poder é irresistivel: triunfasses, brasileiros livres! e com
vossa decisão, e vosso triunfo destes uma prova de que sois dignos
dos benefícios da liberdade; patenteasses os nobres sentimentos de
nacionalidade que inflamam vossos peitos; comprovasses, emfim, que
vossa fronte jamais dobrará ao pesado jugo da arbitrariedade.
Esses motivos, e
estes sentimentos, que convosco partilham todos os corações
verdadeiramente brasileiros, justificarão vossa conduta aos olhos
dos mais rígidos censores dos movimentos populares. Apressuremo-nos,
pois, a manifestar aos nossos irmãos habitantes das mais províncias
da união brasileira, os fundamentos das nossas queixas e o dos
nossos temores. Conheça o Brasil que o dia 20 de setembro de 1835
foi a consequência inevitável de uma má e odiosa administração;
e que não tivemos outro objeto, e não nos propuzemos a outro fim,
que restaurar o império da lei, afastando de nós um administrador
inepto e faccioso, sustentando o trono do nosso jovem monarca e a
integridade do império.
Sim, compatriotas,
devemos ao Brasil, que neste momento tem seus olhos fitos em nós,
esta manifestação tanto mais sincera e pronta, quanto maior é o
dever em que nos achamos de desvanecer os temores com que nossos
inimigos o quizerem alarmar, acusando-nos de sustentar vistas de
desunião e república. Desgraçadamente nesta província, como nas
demais do império, existe uma facção retrograda adversa por princípios
e interesses à nova ordem de cousas, e inimiga implacável de todos
aqueles que professam decidido amor às liberdades pátrias. Apoiado
este partido anti-nacional pelo marechal Barreto, cuja ambição
desmedida, e princípios impopulares são assás conhecidos, deixou
sentir sua fatal influência em todas as presidências anteriores à
do Sr. Braga; mas nunca ousou mostrar-se tão descaradamente como
neste último período.
Burladas foram as
esperanças dos amigos de nossa pátria , que regosijavam-se de ver,
pela primeira vez, um filho seu elevado à primeira dignidade da
província!
Quantos bens
deviam esperar-se! quantos males precavidos! mas uma triste
fatalidade quis o contrário.
A inaptidão que
desde logo mostrou para tão elevado cargo, e a versatilidade de
caracter do Sr. Braga favoreceram os desígnios dos perversos, que
nele acharam o instrumento de seu rancor contra os livres; e no
poder anexo à presidência o meio de saciar suas ignobeis vinganças.
Ninguém ignora os sucessos da noite de 24 de outubro do ano
passado, e dos dias consecutivos; ninguém ignora como o partido
anti-nacional, armando braços mercenários, e estrangeiros, ocupou
militarmente o Trem de Guerra da capital, e ameaçou com aparatos bélicos
os cidadãos pacíficos que festejavam em aquela noite com cânticos
patrioticos as salutares reformas do nosso pacto social: o costume
autorizava o festejo, a ordem presidia os passos de um povo que se
entrega ao prazer, e marchavam na sua frente os juizes de paz dos
distritos que percorria; porém, apesar disso pouco faltou para que
o estrondo do canhão, e o grito da morte não sucedesse aos sons
festivos, e a expansão da nacionalidade satisfeita.
Aquelas ameaças,
aquele armamento desusado, não foi quiçá o primeiro insulto
cometido contra a nossa nacionalidade? Não merecia um pronto e
exemplar castigo? Não poderia executá-lo o braço poderoso de um
povo irritado? Podia sim, mas não o quiseram os patriotas, amigos
da ordem; colocaram em seus peitos os justos ressentimentos;
esperaram providência e justiça de sua primeira autoridade. Vãs
esperanças! Enquanto o vulcão das paixões ameaçava abrazar a
capital, que tazia o Sr. Braga? Embriagava-se, com mágua o dizemos,
embriagava-se de prazer na cidade do Rio Grande entre festins e
banquetes, deixando naquelas espinhosas circunstâncias o timão do
Estado entregue ao capricho de seu irmão o Sr. Pedro Rodrigues
Fernandes Chaves, jovem turbulento e faccioso, e o mesmo que dirigia
e dava impulso ao partido que naquele momento aterrorizava a
capital. As notícias sempre mais aterradoras, que deste ponto
recebia, pareceram despertá-lo por um instante do seu letargo;
chamou-me então, e em nome da pátria conjurou-me a que usando de
todo o meu influxo fosse manter o sossego público: voai, acalmai,
conciliar, e fazei deter o furor do povo; evitai toda a efusão de
sangue; assegurai-lhe que pronto regressarei, e ele aplaudirá minha
justiça.
Compatriotas! O
nome da pátria nunca soou em vão aos meus ouvidos, e sempre me
prestei voluntário a prestar-lhe meus serviços; acreditei nas
palavras enganadoras do sr. Braga, e voei ao vosso lado; dóceis
ouvistes minhas palavras de paz, detivesses o braço já pronto a
descarregar o golpe mortal sobre vossos agressores, e por mim
confiasses novamente em vosso presidente. Mas quem o acreditaria! o
pérfido havia-me iludido, e meu patriotismo tão somente lhe serviu
de instrumento para também iludir-vos e desarmar-vos. Como poderá
justificar-se semelhante conduta em a primeira autoridade, que não
deve ouvir outra voz que a da justiça, nem ter outras vistas que as
do bem do povo que rege! Se o ex-presidente houvesse desejado o
bem-estar e tranquilidade da província, não teria desamparado o
lugar que a lei lhe confiou, teria acudido prontamente ao ponto que
ameaçava a conflagração, e o castigo dos facciosos teria
satisfeito a justiça de um povo ultrajado.
Não por certo, não
tinha em vista o bem da pátria quando levou desde o Rio Grande a
confusão e a discórdia a todos os ângulos da província; quando
em seu regresso a capital aprovou quanto de mais desatinado e
criminoso havia cometido seu lugar-tenente Rodrigues Fernandes
Chaves; quando afastou de si seus antigos amigos, os sustentadores
das instituições livres; quando, ingrato a meu zelo pelo
restabelecimento da tranquilidade pública, ousou chamar-me caudilho
de fascinorosos, e revolucionário. Insensato! Se eu tivesse querido
levantar o estandarte da rebelião, que melhor oportunidade que a
exaltação em que se achavam os espíritos? Que motivo mais plausível
que o insulto feito à nacionalidade? Que meios mais poderosos que
as cartas que seu passado temor, e mais que tudo a certeza de que eu
não abusaria delas, me havia confiado? Mas já era surdo à austera
linguagem da verdade, e prestava tão somente ouvidos às baixas
lisonjas, e aos pérfidos conselhos de um partido que queria vê-lo
envolvido em seus interesses, e cúmplice em seus crimes para
assegurar-se da impunidade e do triunfo dos princípios retrógrados.
Deixou o sr. Braga de ser administrador de um povo livre, desde que
ao império da lei substituiu o espírito de facção, e o povo
desde aquele instante deixou de respeitá-lo. Sem força moral, sem
opinião, um governo não subsiste senão pela desmoralização,
pela intriga e pela agressão, e este foi caminho cheio de precipícios
em que se lançou o sr. Braga. Vós o vistes, Rio-grandenses, apoiar
na corte com sua autoridade as mais vergonhas intrigas do marechal
Barreto, para perder aqueles cujas luzes e patriotismo transtornavam
seus planos ambiciosos e despóticos; em quanto com seu poder nesta
cidade autorizava as desejadas vinganças. O primeiro golpe dado
contra a liberdade conduz insensivelmente, e de um modo inevitável
a todos os outros: é uma porta aberta à arbitrariedade, e uma vez
que ela se introduz ninguém pode prever em que ponto parará.
Compatriotas! Vós
testemunhasses esta verdade, e os cidadãos mais decididos pela
causa do povo foram o alvo de uma sistemática perseguição;
prodigalizaram-se empregos aos homens mais impopulares, a aqueles
que eram mais indigitados para professarem princípios mais retrógrados
e antinacionais; o direito de petição garantido por nossa
Constituição foi desatendido, e os peticionários tratados como
sediciosos; encheram-se os cárceres de patriotas, e toda a província
foi envolvida em processos e querelas; introduziu-se a desmoralização
na guarda-nacional de infantaria para dispersá-la, e se suspendeu
arbitrariamente do seu comando ao tenente-coronel Silvano José
Monteiro de Araújo e Paula, cujo crime era seu inabalável
patriotismo; criou-se uma guarda pretoriana debaixo do nome de
guarda-nacional de cavalaria para custodiar a cidade; mandou-se com
ingentes gastos, e detrimento do erário público ao valente batalhão
de caçadores n2 8 para as longínquas fronteiras de Missões;
removeu-se da vila do Jaguarão para Bagé a companhia de caçadores
que ali se achava por ordem da Regência, duplicando sem necessidade
nem motivo plausível, as despezas, pelo custoso de transporte de víveres,
munições e bagagem, a pontos tão distantes. Silva Tavares, capitão
da extinta segunda linha, foi nomeado comandante da fronteira do
Rio-Grande a despeito das instruções da Regência de 8 de março
de 1834, sujeitando assim à nulidade, e malvadez deste homem
perverso, um sem-número de chefes valentes e aguerridos; retirou-se
do comando da fronteira do Rio Pardo ao veterano dos nossos
guerreiros, o sr. Bento Manuel Ribeiro, e foi substituído pelo
tenente-coronel da mesma extinta segundo linha, José Antonio
Martins, cujo único título é a particular inimizade que consagra
ao sr. Bento Manuel Ribeiro, e pertencer a facção do marechal
Barreto; vimos emfim debaixo da presidência do sr. Braga o templo
de Temis convertido em forja das mais injustas perseguições; vimos
cidadãos armados contra cidadãos; vimos deportações; vimos
violada por duas vezes a sagrada garantia do habeas corpus na pessoa
do honrado patriota major José Mariano de Mattos; e vimos
finalmente impunes a escandalosa introdução de africanos, e da
moeda de cobre, terríveis açoites desta malfadada província. Com
estes e muitos outros atentados, que por brevidade omito, se
satisfizeram as exigências do marechal Barreto, de Pedro Chaves, e
da facção retrógrada; mas era forçoso capear as perseguições
com o manto da utilidade pública, era forçoso legalizar atos
perpetrados contra a opinião da grande maioria da província.
Chegou a época da instalação da nossa Assembléia provincial, e a
fala do presidente arrancou a máscara com que cobria uma política
hipócrita e rasteira: a calúnia mais feroz foi proferida no seu
seio com altivez e ousadia, e a província tremeu por sua
tranquilidade e existência, ouvindo a voz de sua primeira
autoridade revelar-lhe uma conspiração, cujo fim era desmembrá-
Ia da grande família brasileira, e acusar como autores de tão
nefando projeto aos mais conspícuos defensores das liberdades pátrias,
a aqueles que em todos os tempos valorosamente expuseram suas vidas
e verteram seu sangue em defesa da integridade do Império. Projeto
insensato! O golpe mortal que o ex-presidente premeditou dar na
honra e bem merecida opiniao de seus adversarios, reverberou-se
contra sí! Graças sejam dadas à energia dos generosos patriotas
deputados da oposição! Eles advogaram a causa da inocência contra
o aparato do poder, e contra a liga dos facciosos que se sentavam
nos bancos da nossa Assembléia provincial: sua nobre e austera
linguagem aterrou a calúnia, perseguiu ao caluniador em suas últimas
trincheiras, e obteve a glória de obrigá-lo a mais abjeta retratação,
e de tranquilisar a província manifestando-lhe que não existia a
revelada conspiração: um clamor geral de indignação sucedeu ao
do temor que se havia querido incutir, e essa justa indignação
acabou de fazer desprezível a autoridade do sr. Braga.
Depois desta
derrota, quem teria ousado permanecer no eminente lugar que se tinha
deshonrado? Mas o sr. Braga já se não achava livre para retroceder
ainda que o houvesse querido; obsecado pelo partido retrógrado, por
seus compromissos pessoais, e pelo fatal influxo de seu irmão,
sempre pronto a incitá-lo a toda a classe de violências, persistiu
na presidência, e continuou sua marcha opressora e anti-nacional. O
partido faccioso em sua mesma raiva achava nova forças para
intentar novas empresas contra os interesses da maioria desta província
que em seu delírio tratava de sediciosa e anárquica. Acreditou que
sua posição era todavia a mais forte a despeito da opinião pública
que lhe era contrária. Os lugares mais importantes estavam
confiados a membros de sua facção, e inutilizados a maior parte
dos influentes do partido liberal; contava com um número crescido
de facciosos no seio da representação provincial; contava com o
apoio de seu corifeu o marechal Barreto, que ousava prometer-lhe
sacar força armada de um Estado vizinho para sufocar qualquer
tentativa dos homens livres; a liberdade de imprensa lhe servia de
veículo para espalhar suas doutrinas retrógradas e impopulares,
atacar com o fél da calúnia reputações adquiridas por uma larga
série de serviços feitos à pátria, semear a discórdia e dividir
para reinar, contava com o tesouro nacional para comprar prosélitos,
e suprir os gastos de uma administração pródiga e desatinada, e
contava emfim com magistrados corrompidos e prevaricadores para
legalizar injustas perseguições, e os atos mais arbitrários.
Estes eram os elementos com que contava a transata administração,
e podiam os brasileiros livres sofrer por mais tempo seu jugo pesado
e imoral, e deixar a seus filhos o triste exemplo da arbitrariedade
triunfante? O cálice da amargura ainda não estava cheio, mas não
tardou a sê-lo. Não contente o partido retrógrado de apresentar
em seus imundos periódicos aos nossos honrados e industriosos
camponeses como sepultados nas trevas da mais crassa ignorancia,
como ineptos para defender seus interesses políticos, e apelidados
bárbaros, pobretões e proletários, projetou sobrecarregá-los com
um novo e oneroso imposto de dez mil réis anual sobro cada légua
quadrada; imposto contrário aos princípios de economia política,
impondo injusto e cruel, porque recai sobre o capital e não sobre o
produto-, injusto e cruel finalmente, porque pesa com desigualdade
em razão da maior ou menor fertilidade dos campos. Vãos foram os
esforços dos deputados liberais para oporem-se a tão opressiva
lei; ela passou a despeito da sã razão, e do bem-estar dos nossos
comprovincianos. O sr. Braga que pelo art. 15 da lei das reformas
estava autorizado a negar sua sanção a qualquer lei quando
entendesse não convir aos interesses da provi 1 ncia, e que podia
por consequência, suspendendo a execução, prevenir os males que
ela arrastava após si, longe de querer fazê-lo, desde logo
sancionou e mandou cumprir. Faltavam-lhe porventura razões em que
fundasse a sua negativa? Não por certo; filho desta província
tinha todos os conhecimentos necessários para julgar o imposto
impolítico e injusto; porém o espírito de facção dirigia todos
os atos de sua funesta administração. Devia-se necessariamente
prever o descontentamento que excitaria este novo imposto, e que a
sua execução ocasionaria um pronto e geral levantamento; deviam
pois os facciosos arbitrar modo de conjurar a tempestade provendo-se
uma força armada devota à sua vontade, e comandada por chefes de
sua facção. Em vão a buscariam eles nos valentes veteranos!
Aqueles que combateram pelas liberdades pátrias jamais poderiam
converter-se em algozes de seus concidadãos, jamais desembainhariam
a espada para degolar seus pais, seu filhos e seus amigos! Não. Os
militares do Brasil regenerado vertem seu sangue para defender a pátria,
e não para oprimi-Ia. Buscariam eles esta força entre os beneméritos
guardas nacionais da campanha? Certamente que não; são estes os
mais vexados e oprimidos pelo imposto.
Aonde buscariam
pois esta força? Custa dizê-lo! Na criação de um corpo de polícia
de setecentas praças, na organização de um corpo de janízaros
que com a ponta de suas espadas fizessem exequíveis as medidas mais
impopulares e opressivas. Podemos assegurar por honra desta província
que este revoltante projeto jamais passaria em nossa Assembléia se
tivesse sido proposto e discutido com as formalidades do estilo; mas
a cabala e a surpreza lhes fez obter o que de outro modo nunca teria
obtido; este corpo foi criado por uma simples emenda do sr. Manuel
Felizardo quando se discutia a lei do orçamento provincial,
autorizando ao mesmo tempo o presidente para fazer seu regulamento!
Semelhante modo de criar um batalhão achou a mais forte oposição
da parte dos nossos deputados liberais, e apesar de haver sido
aquela emenda firmada maliciosamente pelos deputados partidários da
administração facciosa e por alguns outros que iludidos se
prestaram às vistas iníquas dos srs. Chaves e Felizardo, apesar,
dizemos, daquela nova espécie de abaixo-assinado (até agora
desconhecido nos debates parlamentares) que representava a maioria
da Assembléia, equivalia a uma votação antes da discussão,
apenas passou por dois votos, e esta corte formidável cujas
despezas teriam absorvido a enorme soma de duzentos contos de réis
anuais, de facto foi feita e organizada pelo sr. Braga, que desta
arte assumiu os dois poderes. Tantas arbitrariedades e tantos
atentados em um povo que se preza de ser livre deviam emfim cansar
seus sofrimentos. A inquietação que desde os primeiros meses da
presidência do sr. Braga se tinha derramado na maior parte desta
província, e que por tantas vezes a prudência e amor à ordem
haviam acalmado, como acendida por virtude elétrica, apareceu
novamente e se fez geral.
A nossa pátria
pareceu ao esperto observador como um enfermo, a quem uma febre
ardente mortifica, e que alternativamente espera e teme que a crise
que o atormenta lhe dê saúde ou morte. Em vão, compatriotas, buscáveis
uma táboa de salvação, ela estava na Carta, mas naqueles momentos
a Carta era letra morta, as vias legais vos eram obstruidas, a
apatia do Governo central não vos deixava transluzir a mais pequena
esperança de melhoramento, os males vos ameaçavam já de perto,
qualquer dilação era perigosa, e a força vos ia dominar, e
destruires, cidadãos, a força com a força. Cumprimos,
riograndenses, um dever sagrado repelindo as primeiras tentativas de
arbitrariedade em nossa cara pátria; ela vos agradecerá e o Brasil
inteiro aplaudirá o vosso patriotismo e a justiça que armou vosso
braço para depor uma autoridade inepta e facciosa, e restabelecer o
império da lei. Compatriotas, eu acrescentarei à glória de haver
sido em outros tempos vosso companheiro nos campos de batalha, e
havermos conduzido contra vossos inimigos externos, a glória ainda
mais nobre e perdurável de haver concorrido a libertá-la dos seus
inimigos internos, e salvá-la dos males da anarquia. O governo de
facção desapareceu de nossa cena política, a ordem se acha
restabelecida. Com esse triunfo dos princípios liberais minha ambição
está satisfeita, e no descanso da vida privada a que tão somente
aspiro, gozarei o prazer de ver-vos desfrutar os benefícios de um
governo ilustrado, liberal e conforme com os votos da maioria da
província. Respeitando o juramento que prestamos ao nosso Código
sagrado, ao trono Constitucional, e à conservação da integridade
do Império, comprovareis aos inimigos de nosso sossego e
felicidade, que sabeis preferir o jugo da lei ao dos seus
infratores, e que ao mesmo tempo nunca esqueceis que sois os
administradores do melhor património das gerações que vos devem
suceder, que este património é a liberdade, e que estais na obrigação
de defendê-la a custa de vosso sangue e de vossa existência. A
execração de nossos filhos cairá sobre nossas cinzas, se por
nossa desmoralização e incúria lhes transmitirmos este sagrado
depósito desfalcado e corrompido; e suas bênçãos se nos
acompanharão ao sepulcro se lhes deixarmos o de virtude e
patriotismo.
Porto
alegre, 25 de setembro de 1835.
Bento Gonçalves da Silva".
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